domingo, 21 de fevereiro de 2010

Décimo Andar

Para ouvir ao som de Construção - Chico Buarque.

Manhã de Domingo. Bem linda, bem clara, bem limpa. Um sono com sonhos coloridos e brilhantes, sem sentido algum. De repente vozes e um barulho tão forte que, de dentro do sonho mesmo, pensei: uma batida de carro. E, ainda sonhando, não soube se o barulho era verdade ou se fui eu que o inventei. Despertei em um salto, assustada. Vozes em uníssono gritavam: coitado! caiu!
A verdade me bateu na cara como um tapa, que doeu mais do que qualquer tapa que já recebi.
Um homem, inerte, que havia pulado do décimo andar. O barulho que ouvi? Som do baque do corpo contra o concreto. Perto de minha janela. O sangue quente, os olhos sem cor. Concreto vermelho e o líquido da vida anunciando a morte. Morte. Essa palavra tão feia, tão suja. As cabeças surgiam devagar pelas janelas, corpos se amontoavam, dando cotoveladas, em volta dele. Crianças corriam pra ver. Eu só consegui ouvir os choros, as palavras das pessoas indignadas ao redor. Todos esses barulhos misturados ao meu próprio pranto. Tinha mulher, tinha filhos. Mas faltava. O que?

A rede da janela cortada, sirenes. Ninguém o cobriu. O rosto ali, para quem quisesse ver. Os motivos? Ninguém sabe. Era bom moço, trabalhador, ouço dizerem. O corpo? Será levado. Mais um hoje, chefe, um covarde, mente fraca porque ninguém tem o direito de tirar o que Deus deu. Não é o que dizem?

Talvez seja exatamente o contrário. Talvez ele fosse limpo demais, inocente demais para viver no meio de toda essa podridão. E foi forte e corajoso o bastante para abandonar isso em busca de algo intocado e puro.

Eu não sei o que o homem pensou. E nem sei mais o que eu estou pensando. Mas, hoje, vestirei branco e rezarei. Por ele e, principalmente, por uma humanidade mais bonita, pelo fim dos amanhãs sujos e do futuro incerto. Vamos sorrir, vamos amar uns aos outros, vamos buscar uma harmonia para que muitos como ele encontrem aqui o que foram buscar em outro lugar!

Enquanto isso, a marca de seu sangue demorará a sair, para nos lembrar dele, para deixar a faca no coração. E, de repente, o domingo se tornou sombrio e tão escuro que já não consigo enxergar. Nem compreender.