segunda-feira, 7 de abril de 2014

ver o mundo na altura dos olhos parece pouco demais pra mim.
vida-parábola
Amor-tangente
Duas vidas que poderiam ser encontros mas são despedidas. A gente se toca em um único ponto e depois nunca mais. E depois nada.
Não te deixaria faltar nunca uma cama pra dormir e um corpo pra se aproximar.
Cigarros na boca, nos dedos, nos cinzeiros. Você na boca, nos dedos, no corpo inteiro.
Reviro cadernos, remexo fotografias e a conclusão é sempre a mesma: minhas memórias não valem de nada.
Uma vida inteira criando espaços pra mostrar o vazio
Saber dos caminhos todos e não segui-los por covardia.
A coisa que mais sinto falta das consultas na psiquiatra é a falsa ideia de mundo paralelo. São, salvo (e a sanidade é tudo o que nós, os pacientes, não temos.) A assepsia do consultório. Suas bolachas e chás sempre nos devidos lugares (e nunca faltam.), as revistas e cds que ninguém nunca nem colocou as mãos. O mais importante ali, no entanto, era a prateleira das doações de livros: pegue um, deixe outro. Eu sempre pegava um ou dois ou três - Camus, Sartre, guias psiquiátricos com seus CID como hieróglifos- mas nunca deixei um livro meu. Era meu modo particular de me sentir quebrando a ordem natural das coisas. E, mais importante, me sentir movendo aquele ambiente quase inóspito da sala de espera e suas paredes eternas, onde todos os que ali se sentavam eram vistos pelos olhos médicos como tão vivos quanto a cadeira ou o vidro com balas. Ali, enquanto eu roubava livros só pelo prazer de colocá-los na bolsa sem deixar outro em troca e recolhia todos os doces do pote pelo gozo de vê-lo vazio como eu, me sentia Deus brincando com vidas. Ou, em outros termos, a psiquiatra analisando pacientes.
Muito tempo parada me deu frio. Precisei me enrolar em mim mesma. Meus cílios piscam como facas. Cortam. Escolhem. Enquadram. O olhar também transfere equilíbrio / peso. O caminho e desvio dos meus olhos são recortes. Não tem como olhar fluido, olhar-rio. Visão é navalha.
Realizar ações com fome muda completamente os parâmetros e os caminhos. A fome tem lá suas forças impulsoras.
Dois corpos sem malícia.
Da vontade de escrever no meio de um exercício de respiração: Necessidade primária. Quanto mais eu puxo o ar mais sinto como se não conseguisse o suficiente. Vai ver é porque estou sempre acostumada com tão pouco que quando me pedem pra respirar o universo, eu não sei como lidar.

Sensação de peixe que escancara a boca fora do seu ambiente natural e não sabe mais como se vive. Dor no peito e incômodo. Costelas sobem e me apertam como se quisessem furar minha carne e sair.
Engraçado que a calmaria vem da respiração em nível médio. A respiração, quando lenta e pontual, me dá desespero. Já se ofego, a mente esvazia mas os olhos ficam inquietos com imagens fragmentadas e destruídas e o ritmo do bombear no peito não me deixa um sentimento bom. Posso ver o coração batendo pela camiseta, quase como consigo ver a cor vermelha. Sinestésico demais. Beira a loucura. Eu me sei viva. Percebo o movimento que sai de algum ponto pra chegar a um outro. As veias do pescoço inflam.
Ficar muito tempo respirando devagar me dá tontura. Há alguém que fique em completa pausa? Assim, tudo em suspensão: Sem engolir saliva, sem mexer a língua contra os dentes?

Fiquei contando os batimentos cardíacos até perder a conta. Não fui longe. O corpo todo parece respeitar o respiro. Não se veem olhos aflitos numa respiração digna de um yogi. Piscar mantém estreita relação com o quanto de ar você inala/ solta.

Quantas vezes eu pisco? E por que se eu pensar sobre isso não acontece? Quando criança, eu sempre chegava ao fim do dia com a pergunta: quando tal evento aconteceu hoje, eu pisquei? Esqueci de pensar em piscar e meu olho piscou por mim? - Até hoje eu não sei a resposta. E me vejo roendo unha tentando lembrar se pisquei ou não. (As pessoas com olho de vidro também piscam? E o movimento involuntário nos olhos dos cegos? Mesmo o mais vazio dos olhos precisa de lubrificação.)
Na dança, na vida: andar sem muleta.

Desamparo
Tendo ao equilíbrio. Transferência de peso. Exaustão. Não quero ir, eu quero ir, não quero mais. Meu corpo fica. Não, não. Andar pra frente é andar pra trás e para os lados. Eu sei que me mexo pro infinito. E cresço e me expando e me desvio. Vetorial. Sensores. Corpo-bomba atômica. Moléculas que se agitam, movimento uniformemente acelerado. Aceleração. O dedo se move e eu ouço um estalo. Ele se viu vivo. Começou o movimento - nu aos olhos dos observadores. É alguma coisa aqui dentro que inicia tudo. Os pulmões? Os rins? As costelas?
Deixar-se levar pelo corpo. Vontades. A mão exige crescimento. A perna, uma queda. Demanda. Obedeço. Do lado de fora. Maturação percepção modificação.
A fome do movimento. Mesmo que movimento signifique mexer a língua ou encher o céu da boca de saliva. Olhar e manter a impressão atrás da retina como se tenta manter um amante que se despede.
Deixar um rastro - registro de que se foi.

Olhar sem motivo, sem busca, sem intenção. Um furo na camiseta, a meia de cores trocadas. Nada a oferecer. O pó no chão, os riscos de quem já passou pelo mesmo piso de linóleo, fazendo passos.
Sinapse
Estalos
Textura
Reverberar
a fala me irrita.
jogo de forças entre meu corpo e meus olhos. A busca do equilíbrio, da posição mais agradável. Exercitar o olhar é uma guerra interna. Perceber o estímulo em cima da cabeça. Perder interesse. Ganhar de novo. Qual o limite do passo? O tempo de levantar a perna - o tempo de dentro, de si. Essas sensações que as coisas me passam na distância.
quantos músculos invisíveis quantas contrações / construções (in)voluntárias antes de pisar no chão? Quantas escolhas?
Esquerda direita esquerda mais pra cima. Baixo. Devagar devagar.. com força. O pó do chão. Eu gosto de brincar com o foco do olho. Rápido, rápido, cima baixo longe perto. Olha pra luz, agora o pé. Busco aquele fio de cabelo ali e o olho se perde, vai longe. Vai perto. Enquadramento. Manipulação.
Do drama do primeiro passo nunca me distanciei.