quinta-feira, 24 de julho de 2014

Eu sempre pensei que a parte mais sincera das pessoas é o pedaço de pele que fica exatamente no término das orelhas e começo do pescoço. Nenhum perfume, nenhum nada. O verdadeiro cheiro e a fragilidade. Por isso admiro quem anda com os cabelos presos. Exposto. Mais do que qualquer outra nudez. É nesse fragmento de pele que está tudo. O jogo entregue. E é ali que gosto de depositar beijos enquanto você adormece. Quente, um pouco úmida e frágil. Dois dedos ali e sinto seus batimentos. Um corte, ainda que leve, e seu óbito. Mas eu não quero nada que não seja seu impulso mais violento de vida.
Não precisa falar nada, é só me deixar deitar a cabeça no seu ombro e ficar sem contar tempo. O som inaudível de um violino rasgando o diálogo. Sentindo o tempo entre os dedos das mãos. Não fala nada, não deixe tudo cair em ruínas, o momento é frágil como um ovo. Não é assim? Tá tudo bem. Eu também não sei cuidar de nada – do momento, de você, de mim. Mas permaneçamos assim. Deixa o choro do violino porque o meu mesmo não sai mais, não sai faz tempo. Ninguém reclamou dos meus olhos pretos, do meu choro no chuveiro, das fronhas molhadas. Não se mexe. Deixa tudo assim como que numa fotografia. Etéreo, lento, fora de tudo. Deixa eu beijar sua nuca com minha boca, ainda que machucada (você sempre briga comigo por tirar a pele da boca quando ansiosa. Eu sempre prometo parar com isso sabendo que vai ser mentira.) Deixa eu sentir o cheiro da sua pele, no espaço exato onde terminam as orelhas e começa o pescoço. Eu ando sedenta. Eu sei, já disse isso muitas vezes. E, como das outras, não sei bem do que. Definhar como um animal por falta. E falta lá precisa de complemento? É falta. Falta de falta. Por si só já dói, não precisa de mais nada. Tudo bem, tudo bem, o momento pede cuidado, como eu peço e esse violino chorando anda me apertando o peito.
Enquanto você está há quilômetros de distância eu fico aqui nesse quarto (que era nosso) e agora é só um quarto de menina. Uma bebida quente, pernas frias mesmo com meias grossas. Você sempre zombou minhas extremidades frias. Eu sempre guardei pra mim que tinha medo de todo o resto meu ser assim também.

É desse medo de falhar que eu te falo. Esse medo de sair do lugar (o drama do primeiro passo.) e o medo de voltar, sem êxitos. Meu quarto continua aqui pra mim, isolado do tempo, entre duas coisas (a infância-vida adulta? O dentro-fora?)e a cama, trocados os lençóis, me convida pra ficar.

Achei que tinha perdido a vontade de escrever. Meus amigos estão sempre numa linha que não alcanço. E é assim inatingível que agora deixo os dedos correrem pelo teclado. Enfermidade é uma palavra engraçada. É o que te deixa nessas unidades de medida de distância. Manicômios, prisões e conventos. Meu corpo passa sem mim. Quer sair, sem pedir. Voltar tarde, sem avisar. Já cresceu. Eu é que fico a mesma. E adoeço.