quarta-feira, 28 de março de 2012

Não sabe quando a luz vai voltar. Acende vela, faz planos, anda pela casa. Vai à varanda, se sente viva e sem amarras, pisa descalça, lê poemas usando a luz das velas e acha tudo muito romântico e sedutor. Canta só, descobre que ainda pode fazer sentir os outros quatro sentidos e ignora a visão. Faz-se fantasma a arrastar grilhões e quase tromba com as outras pessoas. Se sente dona de si. Até que vem o anseio, o desejo pela luminosidade artificial e cômoda, o logo-logo-ela-volta, a espera ociosa, o medo de dormir sem ela - como há tempos não ocorria. A falta de luz é como o amor.

terça-feira, 27 de março de 2012

Não há de se apressar o tempo. O tempo anda manso e de mãos dadas. Eu e ele, esse senhor de extremos – o tempo – fizemos as pazes. Precisamos deixá-lo nas suas próprias leis, recolhendo vagaroso os grãos que solta. A calmaria sem torpor, sem languidez.
Já fiz um acordo comigo mesma, assinei o contrato, tratei bem o coração. Sou sua.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Amor é acidente
desvio do percurso
erro na rota
curva perigosa
dirija com cuidado reduza a velocidade é obrigatório uso do cinto de segurança.
Não segui nenhum desses
Amor é acidente
o não ler placas
a desobediência de sinais claros
A 500 metros.

terça-feira, 6 de março de 2012

Acostumada com o corpo dele do meu lado. Sem sobressaltos mas do jeito leve que eu sempre procurei. Cada gesto é visto, é sentido, é só nosso. As mãos não precisam de grande esforço pra se unirem – tampouco as bocas. As línguas fazem cócegas, os pés se encontram - apontados um para o outro. O cheiro de perfume bom que fica no corpo ainda quando deito pra dormir. O afago, por menor que seja, que me marca como brasa. Já sentir falta dos dedos faceiros que se encontram e desencontram, do tatear meloso pela mão do outro ao lado, do saber a mão presente, do sentir a boca e a hora. Consigo quebrar os ponteiros, mexê-los, ser dona do tempo. Nesses dias, o tempo é de ser leve, é de ser claro, manhãzinha nova sempre, cheirando a leite fervido e café recém-passado. Feito com muito amor, nosso.

domingo, 4 de março de 2012

Seguro a minha própria mão no escuro. Não há necessidade de se fechar os olhos mas eu fecho para tornar mais real. A mão direita é sempre a tua, que acaricia e brinca com meus dedos. Esse encaixe perfeito que as nossas mãos têm. Anatomia sentimental e crônica. Nesses tempos de cólera, há o amor. Porque o amor nada mais é do que doença: mata mais, consome mais, transmite mais a loucura nas veias azuis dos nossos corpos. Deixa o corpo vivo, a mente insana e o cérebro inválido. Potencializa o que é ignorado (dizem os médicos). Não tem remédio, bula, receita, comprimido. Não segue a prescrição médica, a ata formal. E, como na peste, mata.

O amor é demônio manso, maltrata devagar, age vagaroso mas domina o organismo. Pula de célula a célula, destruindo e destituindo-a das funções vitais. Ainda que aparentemos ter vida. Não existem profilaxias e de nada adianta lavar bem as mãos, os olhos, não andar descalço, evitar contatos. O amor é facilmente transmitido sendo qualquer carta, poema, fala ou olhar mais intenso logradouro perfeito para ser contagiado.
O nome presente no livro que me deu origem, de certa forma. Já conhecido e lido tantas vezes. Na minha vida, nada é coincidência. O de vida leve vem para retirar os antigos pesos em meus ombros exaustos. Eu, pobre Teresa, quero ter algo para oferecer que nada compartilhe com a antiga vida pesada que possuía. Já o vejo em meu entorno, seu espírito livre, ensinando o que nunca me ensinaram e sentindo e dizendo palavras de silêncio. Sintaxe, simbiose, e súplica orgânica. Não liquefaz, porque não deve. Cinco minutos e eu já me sentia perdida / encontrada. Criança no cesto entregue à própria sorte. Tudo depende da referência-preferência. Já pego teu jeito teu dengo, escrevo o que vem. Empenhei o coração e o sentimento. Espero que voce os dê preço e vontade.
É que falta luz em casa e eu comecei a pensar assim: uma palavra contrária, antônima, nada mais é do que a outra palavra mais forte. Nada é negação ou oposto mas partem sempre da mesma raíz. O ódio é o amor enfraquecido, a loucura, o amor levado ao extremo. Só você teve coragem para olhar nos meus olhos. Seria tudo mais fácil se eu tivesse mais coragem e menos medo ou mais medo e menos coragem. No fim, é a mesma coisa. As palavras têm todas uma origem só. Quem sabe? Aquele que inventou tudo isso deveria ser milionário. O inventor das palavras, grande mago dos advérbios, senhor do coração. Talvez ele ande por ai mendigando adjetivos, como migalhas. Patentear sentimentos, o amor - marca registrada em cartório.
A luz deveria voltar. Quase cega, escrevo nessas folhas mas o pensamento não queima ou se apaga ou entra em curto circuito como a luz da rua. Escrever seria poético, não fosse meu desespero.
Entre olhares. O que há na lacuna do alcance de um olho e do outro? Que é que se acha entre duas palavras soltas, no espaço criado entre elas? Do que é feito o silêncio? Talvez seja você o par de Joana. Aquele que repousa lentamente em seus ombros, dialogando mesmo que sem fala. Não sei quantas calçadas nos separam. Quantas casas, quantos paralelepípedos, passos, polegadas, fios de cabelo ou qualquer que seja a unidade de medida. Te sinto saudades, te sinto vontade das mãos. A falta de luz faz com que eu aprenda a viver sem seguir certos sinais visíveis. E eu me sinto de novo aprendendo a ser guiada.