quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Escondia a alma no pâncreas, era mineral e, como característica inata, se mostrava eterno. Resultado de uma série de intempéries, sem nunca deixar de ter um núcleo ou fio condutor. Sabia bem o que era, o que trazia consigo, não mostrando a ideia de um desmanchar-se no ar pra outra coisa. Só agia com absoluta precisão, análise pura e racional de fatos. Não parecia disposto a deixar-se levar como água, não parecia viver em um clima propício a acidentes – no seu caso, o acidente seria ela, mas sabia como se locomover em terrenos lodosos.
Achava-se como transfiguração de outra coisa, resultado de vulcões transfeitos, de um endurecer eterno que acabou moldando-o. E só a água, orgânica, conseguia saber com sufoco e persistência, o que ele escondia, a alma reservada.

Ela se pensava água. Sabia que era orgânica, sim. Ela toda era feita de pedaços, colcha de retalhos, união de tudo o que recebia como estímulo. Diferente dele, nada durava. Era decomposta em pedaços, cada vez que o tempo passava. E só tinha a certeza do carbono, a certeza da vida que lhe corria. Mas se a vida era esse decompor-se constante, o que poderia esperar? Se a vida era isso, ela queria outra coisa. Só não conseguia mudar. Viver era perder pedaços, afastar-se da união de duas pontas.

Ela se pensava água. E gostava de pensar assim, pois só a água era persistente o bastante para não deixar-se cansar. Ela é quem deixa a alma exposta sem medo, saindo direto das células e dos elementos que a compõem. Diria até que desgasta, mas não. A água traz à tona o que o mineral esconde. A água busca fundo, num trabalho minucioso, tecelã de fios emblemáticos. Digere pouco a pouco a matéria, lapida o minério bruto. Sabia-se efêmera, sabia-se como liquefeita a qualquer mudança brusca, mas a linha tênue a ajudava a ser forte.


Via-se cada vez mais fadada a se decompor. Orgânica, estava sendo consumida pouco a pouco, ao longo dos anos. Já estava no fim, sem saber ao certo se conseguira chegar ao núcleo. Resistências, existências, reticências...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A bailarina nasce pra uma única dança. Calça as sapatilhas e se despede, bailado da morte. Efemérida.
As pernas tremem sem obedecer, passos que nunca ousaram dar saem perfeitos. Sem ensaio, como a própria vida. Pisa no palco com orgulho e medo e, ao fim, se despedaça.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Desde o começo eu sabia, já tinha bem claro e definido que a fraca de tudo era eu.
Sabia que poderia ser em vão, que era risco o arrependimento mas mesmo assim tive a coragem de permitir ao peito: sinta.

Sempre tive medo de muitas coisas. Tenho o medo de falar pros olhos, tenho medo de criar diálogos, tenho medo de me perder nas imagens. Mas nunca tive medo de sentir. Me permito sentir qualquer coisa, me permito toda visceral. E mesmo que chore por dias, encostada nos cantos, escondendo o rosto, eu não vou me arrepender por ter sentido.

O amor é a busca de cinco segundos. Não há melhor definição do que essa. O amor são os cinco segundos de montanha russa, aflição e desejo, a pele em chamas, a alma nos poros pra ser percebida, a pupila que dilata. Os cinco segundos em que você sente o mundo. E que, frágil, se esvai, quebrando. Amor é a vontade de se sentir assim, de novo. A busca incessante pelos cinco segundos primários, procurar no corpo de um, na alma de outro, ou do mesmo, o que te fez sentir desse jeito. Mesmo sabendo que não volta. E assim, ainda que indignados, amamos o outro pelo sentimento, pela lembrança do começo. Pelo momento quebradiço que não soubemos cuidar.

E se eu te dissesse que contigo não foram segundos? E se eu te dissesse que são cinco segundos diários, que fazem com que eu te ame? Amor é palavra forte. Amor é palavra. Não só. Grande parte é composta por convenções que você não larga. Eu sim. Porque nesse ponto, sempre fui mais livre. Nesse sentido, nunca tive medo de querer, de recolher cacos e juntá-los de novo. Não tenho as amarras do meu tempo, porque meu tempo é de não ter amarras.

E se eu te dissesse que não foram cinco segundos mas uma vida inteira? 1460 dias e os minutos roubados. Traços na parede, um dia a menos.

Parece que nesse tempo todo, construímos o espaço. Tudo levou a isso. A construção do espaço invisível, muro contínuo de fibras unidas. Eu quis construir um momento. Eu quis construir um algo que você tivesse vontade de zelar por ele, acalentar nos braços, abrir mão da vida pra viver daquilo. Só consegui construir a lacuna - e é isso que levo nos braços.

Queria agora a coragem que tenho ao sentir, pra rasgar todos os papéis, jogá-los ao fogo. Mas mesmo marcado, o papel fica. Mesmo desintegrado, ainda reconheço a letra. Reconheceria mesmo cega.

É preciso coragem pra sentir. E isso eu nunca consegui te ensinar. Por falta de jeito, meu trabalho sempre foi assim descuidado. Dentro, não mudei nada? Não causei nenhum incômodo? Eu sempre fui dessas que julgavam ser ervas-daninhas, ao menos nisso. Sempre jurei a mim mesma que iria marcar você, que iria machucar você pra ter o prazer de cuidar depois, o prazer de ferir pra curar com afago. O que vou deixar como lembrança? Um espaço real? Um espaço vago? Vento no corredor, vento entre muros. É isso, ou talvez seja até muito. Espaço é matéria. E eu sou?

É de se espantar o fato de querer atear-me fogo. É de se espantar o fato de eu querer escapar da história, adentrando nela. Mas posso reconhecer-me como símbolo e isso me dói. Os símbolos são internos, você não os vê, mas existem. É por pensar que mesmo eu sou parte disso tudo. Mesmo eu tenho marcas tuas. Mesmo eu sou você. O rosto que você já olhou, a pele da mão que você toca quase com medo, cada centímetro de tecido, cada milímetro de coração, cada pedacinho de célula já foi teu. E o que faço com isso?

Marcar feito tatuagem. Queria ser capaz de encher a boca de ar e dizer: Eu te amo! Queria encher a boca de ar e só falar amor. Exagerar no r, escancarar a boca, deixar a última letra perdida, voando feito balão.

A voz não foi feita pra outra coisa se não cantar. Não sei recitar poesia, não sei falar. A voz é instrumento pros que amam. Melosa, tenho meus próprios acordes. A voz de quem tem medo mas canta porque precisa. Baixinho, canta porque não tem outros meios de pedir comida – ou amor. E canta olhando nos olhos que é pra passar a mensagem. Junto com a voz de quem sabe e demonstra força e altivez, mesmo que não consiga – ou não se permita – sentir. Pássaro sábio, coragem de mundos, não demonstra fraqueza sequer por um segundo. Confiante e determinado, canta porque sabe (sabe?) onde quer chegar. E não fraqueja ao menos uma vez ao olhar nos olhos. Naquela hora sabia que não havia o barulho, o sol, as marcas. Era só o pio. Canto de quem aprendia a cantar. E quem foi que aprendeu?


...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Eu não sei andar por essas ruas mas desceria todas elas se pelo menos uma me desse a certeza tua.