domingo, 4 de setembro de 2016

sempre achei que eu era planta, dessas que precisam de suporte pra ficar em pé
Eu gosto de coisa incerta
Eu gosto de procurar algum sentimento nas notícias frias do jornal impresso
E bebida quente, mesmo no calor.
Eu gosto da chuva molhando sapatos e meias e da sensação engraçada de andar com tudo ensopado.
Eu gosto de pronunciar palavras como borocoxô e sentir a língua dançando na boca.
Não sei o propósito das coisas. Também não procuro sabê-lo. E está tudo bem.
Amanhã ficam prontas as fotos e eu tenho medo do seu rosto pelos negativos.
Cortar a língua pra não dizer eu-te-amo
suas fotos de infância, o bairro que você morou quando criança, casa da vó. Acidente de percurso, erro de rota. O poste que caiu na estrada quando eu cheguei. As meias que você me deu ainda estão na gaveta. E a caixinha de madeira ainda guardam as passagens.
pra sair de casa. pra passar o tempo. pra esquecer. pra lembrar. pra distrair.
sentir falta das suas costelas aparentes e da história de como as conseguiu. Tudo é acidente... alguns mais bonitos do que outros, mais rememoráveis. Você é minha costela quebrada, ao acaso, que decidiu saltar por não curar direito. E eu gosto.
não sufocar o amor.
não matá-lo.
Pisar no molhado sempre, terreno incerto, depois da chuva. Nenhuma mãe nos prepara pro encontro, nem pra separação. Nenhuma mãe nos alerta sobre o perigo de uns olhos castanhos.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Quando o ponto de partida é também ponto de chegada.
Vida estagnada.
navalha contra pele branca
nunca mais andamos lado a lado.
na sincronia dos passos. Tua perna infinitamente maior e a minha de menina. ainda assim combinávamos acertávamos a medida dos passos e das outras coisas. Até desandar.
Nem poesia marginal, nem nada
o que faço é sangue seco no asfalto
hematoma e lembrança.
Falta e solidão. é cigarro na pele pra lembrar.
Amor contrariado cheira a fracasso. Mas só nos lembramos quando o sol não esquenta e faz frio. é aí que me ponho a escrever.
esperar o toque do interfone, colocar o despertador pra tocar.
pra falar dos discos que não escutamos juntos e das palavras que secaram na boca.


escrever poesia no metrô, engolir o choro. Se fosse permitido chorar, estávamos todos chorando.
é fácil controlar o peso do corpo pra não cair. Outros pesos - o do tempo, o da memória - necessitam mais esforço.
Que piegas.
mas não há nada de surpreendente. Nem nada novo.
Eu sou a mesma. Estagnada. Fazendo poesia ruim. Chamando teu nome.
palavra escorre pelo dedo mas fica seca na garganta.



(you made me so very happy im so glad you came into my life)
colocar a roupa de sempre pra passar, vulto, pelo tempo. Percorrer corpos, ruas, avenidas inteiras sem me prender a nada.
O que eu deixei pra trás tento perseguir pra ter de novo aquele vento de vida. Manhã fria no país que não era o meu mas poderia ser
café da prensa, sem muito pó, sem açúcar.
Baguete de pão, sol de outono.
Andar de mãos dadas, fumar um cigarro, escapar das sombras pra se aquecer.
Ver o mar do alto da rua.
Eu tentava decifrar teu idioma mas algo a mais também ficava sempre sem tradução.
Seguia seus passos, porque precisava deles, como preciso agora.
E preciso sempre - mas antes eu não percebia.
a partilha das nossas mesmas pílulas no café da manhã, como quem partilha o pão de cristo.
a partilha das chagas e o beijo nas feridas.
meu corpo, meu sangue.
e você veio e brindou comigo.
carícia no estômago. Eu quase me esqueci dos diagnósticos, da medicina.
Meus laudos combinavam com os teus.
passar por cima dos erros como quem atropela alguma coisa.
marca no asfalto, canta pneu, vai embora.
Ignora o semáforo e as leis de trânsito.
hora do almoço nos escritórios
eu sempre faminta. Com um café no estômago e a ânsia de ter sempre algo que está longe das mãos. Escrevo poesia como quem morre, já diziam
Escrevo como quem mendiga.
remédio vencido e aquele clichê de wake-me-up-if-you-still-wants-me.
pestilentos se reconhecem pela boca que espuma palavras de amor.
A cólera vem silenciosa...
repartir palavra me parece sem sentido. eu gosto das coisas inteiras, talvez por ser, eu mesma, só metades.
o cheiro dos cigarros daqueles fumantes
o gozo dos que se julgam amantes
o o olhar dos que estão perdidos.
a fala obscurecida dos loucos
é tudo o que conta.
vista torpe. Tontura, tortura. O formigamento. água quando se tem sede. carícia pra sedes de outra natureza.
Isso basta.
Estou viva

por pouco.
essa boca que escarra é minha.
essa boca que grita, também
o sangue do corte é amargo e meu.
cabelo desgrenhado pelo vento do outono e os dentes amarelos e cheios de cáries, meus.
também é minha essa vontade de ser alguma coisa e não ser nada.
pequenas coisas de antes, agora se tornam insustentáveis
tudo agora são apenas coisas.
Uns olhos cheios de coisas
sem focar em nada.