terça-feira, 17 de julho de 2012

Você me dá vontade de escrever nas paredes
De ser anti-herói
todo dia.

Música alta pra anestesiar a falta
Pra que eu não preste atenção que sobra espaço na cama
E eu não posso dividir o travesseiro.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O saxofonista parado no meio da calçada entre os passos mecânicos de toda a gente. Tocava Moonlight Serenade, ela reconhecia pelos velhos discos de Glenn Miller que o avô adorava. De repente, mesmo com pressa feito aqueles que passavam pelo músico sem o ver – ou ouvir, como se o som fosse abafado por outros típicos de metrópoles, ela parou. Seu par, que apertava a mão dela com força, parou em seguida. Em um daqueles gestos que se fazem sem pensar, pegou na mão dele como numa valsa. Ensaiaram uns tímidos passos, abraçados. Um pra lá, um pra cá. O músico já então tocava as primeiras notas de um Tom Jobim, certamente influenciado pelos dois amantes que dançavam sem jeito nos tempos em que ninguém ousava dançar. Sob o som do instrumento ela sussurrava no ouvido dele: Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho. De frente para o saxofonista, aqueles dois pararam de seguir o andar dos outros habitantes e criaram seu ritmo próprio, como tudo que vinha deles, inspirados pelas notas soltas do músico anônimo.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Enquanto tomava banho, olhou seus pés. As veias estavam saltadas, pareciam um tanto quanto roxos e sentia uma fraqueza intensa. Sozinha, sabia que se desmaiasse agora, provavelmente só a encontrariam horas mais tarde. O relógio marcava pontualmente nove horas. A casa era só dela até então. Continuou a olhar os pés, se achando fantasma. O que a assegurava de que existia? Qual era a certeza que lhe deram ao dizerem que estava viva? Como é que se verifica? Pensou na fraqueza como forma de vida. A única que conhecia. Talvez, se batesse o pé na quina, machucasse o mindinho, arranhasse as coxas, talvez se se olhasse no espelho e encontrasse nele aquilo que correspondia ao seu rosto, talvez se... mas nada disso servia pra dizer que ela existia. Tinha os documentos que comprovavam – ali podia ler seu nome e testemunhas assinavam. Não evitou o pensamento de que atestavam, na verdade, o seu óbito. Mas pra se morrer é preciso ter vivido pelo menos uma vez e ela não estava certa de que vivia ou viveu. Era melhor dizer, então, que assinavam ali a sua não-existência. Testemunhas de uma falsa humanidade que possuia até então ancestrais e endereço. Viver era contrato assinado e não se lembrava de papel algum com sua letra que confirmava isso. Debaixo da água quente, seus pés ainda estavam roxos. Pode ser um problema na visão, pensou. Mas realmente achava que pessoas não possuiam problemas na vista. Era apenas uma forma de ver diferente. Como as pessoas sabiam o que era o normal? Os olhos são, todos, diferentes uns dos outros e até há convergências entre os dois olhos de uma mesma pessoa... Por que então tratar como doença o que já nos é fadado a ser incongruente? Não tinha resposta. Não sabia como chegavam à conclusão de que tal visão era a exemplar e, o que fugia disso, possuia erros. Nunca fora muito de acreditar em ciências ou deuses. Começava sempre a se desvirtuar do assunto com essas coisas que, transformadas em diálogo, não entendiam. A mãe a dera como especial, diferente das outras crianças. E tinha pra si que, fosse um olho, a julgariam como aquele que deve ser curado ou transplantado. Se eu fosse um olho, pensou decidida enquanto a água ainda caía nas costas, eu seria um olho cego.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Esse meu menino fica pequeno em meus braços, tem todo o meu amor marcado por todas as ruas e cada tecido do corpo. Dirão que foi um crime passional, revirarão caixas, encontrarão as pedras que largamos no nosso canto – recolhidas e escolhidas por seu peso e tamanho. Tudo o que restará de prova do crime poderá ser emcontrado nos dois corpos. Ossos da mão esfolados, cortes superficiais nos dedos, roxos intensos por toda a pele, marcas de unhas minhas nas costas dele, minhas unhas quebradas no asfalto. Todo o resto virará pó, pra que criem uma história desses dois amantes encontrados mortos, causando alvoroço, crime sem solução que atravessa os tempos. Entraremos pros arquivos policiais como aqueles dois sem nome e sem face, conhecidos apenas pelas marcas de amor deixadas um no outro.