segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O siso é meu dente-autorretrato. Passei longo tempo com dentistas me dizendo que eu não o possuia. E a gente aprende a acreditar nos tais do jaleco branco. Por anos acreditei que passaria os dias sem o tal dente do juízo. Aos dezoito, o incômodo não só dos hábitos ou das zonas de conforto mas da dor de dente surgiu. O siso, ou o juízo, bateu no dente do lado, avisando presença. Não quis aparecer. Inteiro, totalmente formado e bonito, bonito como todo dente ou coisa de origem, antes que eu toque com minhas mãos, e deitado, como que sem força ou não se achando capaz de mostrar-se do lado de fora da minha gengiva. Assim como eu. Sem espaço, na boca, se espremeu como pôde.
Deitado, formado e com medo de sair pra ser julgado torto, mal sabe ele que, pelas suas escolhas e por quase atingir meus nervos, vai ser retirado. Pelo menos, pretendo guardá-lo. Já eu, não sei se teria a mesma sorte. O destino de alguns deve ser mesmo permanecer escondido. E dois corpos não ocupam a mesma sina.
Colocar a mão pra fora da janela
no carro em movimento
Os dedos cambaleando no ar
tão rápido que a mão vai para trás
E os cabelos vão todos pro rosto.
Há sempre uma mecha sorrateira
que gruda nos lábios de batom vermelho.

Colocar a mão e a cabeça pra fora da janela aberta
à noite, no carro em movimento.
Enquanto todo o resto está inerte.
Ver os outros rostos protegidos por trás de vidros
aquecidos pelo ar condicionado.
Condicionado, como tudo fora dos veículos, também é.
Minha vida segue um padrão irritável.
Mas hoje, estou condicionada por mim, e só por mim.
O batom vermelho borra quando passo a língua.
Não ligo.
Minha mania de retirar a pele da boca a faz sangrar.
Não me importo.
O ar da rua no rosto é bom
bagunça o cabelo
ajeita a vida.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Absorver o que pode
o que se dá
o que me dão
o que me permito
e me permitem.
Eu me permito tudo.
Prestar atenção no barulho da água caindo nas costas
Na unha encostando de leve o azulejo
A palma da mão que toca o registro do chuveiro, frio.
Eu me sei viva.
Eu sei que não preciso de muito.
Olhar nos olhos de alguém
Absorver o que a pessoa lhe dá
Um sorriso, uma mão no peito, uma lágrima.
Estar à deriva
recebendo estímulo de todos os lados
Eu marco as pessoas
as pessoas me marcam.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Instabilidade
Apoio em duas pernas
não mantém meu corpo em pé
É fácil sair pra olhar pra alguém
difícil é pra olhar a si mesmo.
Fácil falar da sua vida como verdade
mas impossível falar da verdade que é sua vida.
Quão ridículo é manter um sorriso 24 horas por dia
para aqueles que se mantém por perto
só enquanto você finge ser feliz
e realizado nas suas escolhas.
Eu não quero ficar sem ninguém.
Não sou boa companhia para mim mesma.
É um exercício diário
mostrar-se satisfeito
com tudo o que ronda.
A comida sem gosto
as pessoas sem assunto
o existir sem propósito
é tudo lindo.
Ninguém quer saber
se vomito tudo o que como
se sinto um vazio no estômago
por não me alimentar a três dias.
Se não saio de casa
porque a escuridão do quarto
me satisfaz mais.
Eu permaneço debaixo de algum canto
debaixo do edredom
escondendo meu rosto pálido
da doença
e do cansaço.
Porque do mundo das coisas bonitas
eu fui retirada.
Eu tentei ver o que tinha por trás do quadro,
do tecido rasgado com faca.

Tem meu passado inteiro.
A vida parece fácil
O medo me deixa estagnada
Daqui de onde vejo
é tudo longe.

Os ossos nunca quebraram
o rosto não tem cicatriz
Os dentes do siso não nascem
em quem ainda não cresceu.
Conversar, rir, passar batom vermelho, aparentar ter cor saudável nas maçãs do rosto, pentear o cabelo. Não preocupar aqueles que nos cercam é a primeira lição que você aprende.
Tudo o que você faz tem que ser sozinho.
Tudo o que você pensa te leva pra algum lugar dentro de si que você sabe escuro.
Você só quer ir mais baixo e ver até onde vai.
É como jogar pedras em um poço e esperar o som da água.
Estrangeira no meu próprio domínio.
Ficar em silêncio é minha ruína
Dentro de mim não há inércia
De próprio punho escrevo
os ossos não quebram
As unhas renascem
Os cabelos arrancados crescem
Você sempre volta ao que era antes,
aparentemente.
Por dentro, estou seca.
A asa da libélula é bonita
mas o que sobra se você a retira?
Um verme como qualquer outro
senhor das carnificinas.
Um atentado contra si mesmo não vem só na forma de ferida vista a olho nu.
Prometi a mim mesma que não ia comer por dias.
Estou suja.
As unhas compridas arranham as costas
não é carícia de quem se ama

domingo, 13 de janeiro de 2013

Autorretrato

Irritabilidade,
cansaço mental e físico,
redução de energia,
perda de interesse,
fadiga,
problemas de sono,
falta de apetite,
diminuição da autoestima e autoconfiança,
persistência de pensamentos negativos,
sentimento de culpa ou fracasso,
dificuldade de tomar decisões,
chorar sem motivo,
boca ressecada,
alterações cognitivas,
fraqueza,
apatia,
retraimento social,
prejuízo funcional significativo,
comportamento auto-destrutivo (auto-mutilação),
palpitações e tremores,
cabelos sem brilho,
unhas enfraquecidas,
boca amarga,
olheiras,
desejo de morrer.