quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A primeira separação vem antes no silêncio do que em qualquer troca de injúrias / juras.
Medindo as esperas pelos cafés consumidos.
Desculpas esfarrapadas. Nem uma coisa, nem outra. A questão é aprender a mentir sem, no entanto, comprar a própria história.
As esperas me dão ânsia. Encontros também.
Jogar no poço pedras ou moedas é a mesma coisa. Como se isso conseguisse ser outra coisa que não fosse patético.
Virar, se mover, fingir, de repente se tornou grande coisa - ou sempre foi?
Efeméride, mnemônica, qualquer dessas punhetações mentais significando, punhal no peito, que o que resta é lembrança.
Olhando o portão e as sombras dos pés, os meses voltam vômito - coisa indigesta
Nem sempre sei se quero ser distância ou aproximação.
Acidez. Melancolia. Falta de sensibilidade.
Tudo é impulsivo, agressivo, violento, passional.
A sujeira do corpo não sai só das axilas, da boca ou das narinas. São muitas as coisas que não precisam de idiomas ou interlocutores. O amor é só a mais estúpida delas.
Quando em uma distância, sempre penso na chegada (pois sou dessas que precisam tentar prever conversas, encontros, pra sentir-se mais segura) como uma entrega. A vontade de deixar-me pesar (não o peso do corpo, mas do meu passado inteiro) é para não ter mais que levar tudo sem saber equilibrar nos meus 19 anos e 157cm.
Você não ia rir de mim se soubesse que guardei tudo que tinha seu nome ou sua mão pra conseguir continuar quando o tempo se fizesse personagem.
Não contei pra ninguém, naquela época, que tentei levar como se você não tivesse existido mas que eu gritava com a boca o mais escancarada possível como se isso fosse trazer você de volta, enquanto eu dormia.
Ninguém nunca soube como meu corpo se debatia e lançava-se violentamente ao chão, com urros e choros em ataques de histeria e cólera. (Ou Saudade.)

Nem você soube.

Se ler isso agora é possível que faça o mesmo monólogo. O mesmo silêncio de quem não se conhece mais. Por isso sei que você fez questão de apagar uma a uma cada memória minha como se pinçam piolhos de crianças. E com êxito, me espremeu entre os dedos até me ouvir ao meio.
Ainda te tenho em caixas, discos, nos desenhos que fazíamos um do outro, nas coisas que inventávamos com medo de cair na monotonia dos casais. Engraçado que não foi o hábito ou a rotina que nos destruiu. Foi o medo.

"Let me keep just this memory" mas guardas memórias demais. Não é arquivo morto, mas fonte rotineira de busca. Se houvesse meios de retirá-las, sei que somariam salas inteiras de pastas, catalogadas de a-z. Talvez a melhor forma fosse mesmo um incêndio criminoso: monge que ateia fogo ao próprio corpo.
Ontem fiquei acordada porque o pensamento se entregou à teimosia: meet me in montauk - pensei, mas já não era mais a hora. Nunca mais seria.
Re-pouso: pousar novamente.
voltar por saudade
descansar no que se (re)conhece e se gosta.
Perdi os detalhes do rosto dele. Mas vou vê-lo. Talvez por isso não saiba se devo escrever para lembrar ou deixar que as mãos, essas minhas feitas de desgaste, se recordem com o toque vagaroso do corpo. De qualquer modo, eu gosto de observá-lo e extrair dele o que posso com lentidão de aprendiz. Absorvo, amante, com o máximo cuidado. Os cabelos são brancos, pretos, cinzas. Os traços finos e frágeis. Olhos de pele úmida, brilhante. Uma doçura infantil que ele teima em esconder e eu em mostrar. Todo ele é feito pra parecer etéreo.
O mínimo ranger dos pés no assoalho já me deixa de joelhos. A chave passando pela fechadura da porta. O som, o som que representa sexo, que me faz alvo fácil, de portas trancadas. Ele vem. Não guardo as coisas de outro modo se não pela sensação que elas me passam. As mãos dele na porta ou a ordem que ele me dá para passar a chave, já faz meu corpo alerta. As pontas dos dedos se transformam em toda pele, sensorial e primitiva. Não preciso de olhos. Enxergo com minhas mil pupilas, em cada toque - ainda que gentil - das suas ou minhas mãos. Não há se não o compartilhar, o ceder. A santa ceia em meio a lençóis desarrumados. O meu corpo, o meu sangue. O seu corpo, o seu sangue. Vem, tomai, comei.
A movimentação do corpo é representação. Meia soquete, não sei bem se estou perdida. As minhas mãos levam consigo o rastro de todo o passado. Todo o dinheiro, sexo, papel, sujeira, coisa bela. Na mão é tudo a mesma coisa: célula, bactéria, merda.
Os mesmos dedos que bolam meus cigarros ou forço na garganta são os que acariciam os cabelos e fazem juras de amor.

Ele pensa em preencher paredes, muros, ruas inteiras.
Eu só queria pintar algo dentro de mim mesma.
As pessoas não entendem meu cinismo, nem riem das minhas piadas. Auto-flagelação é ir até sua rua pra te ver feliz, aliança no dedo e passo firme, indo comprar pão.
Qualquer papel vira seu melhor companheiro quando se trata de vomitar discursos.
Tenho vontade de ir buscar uma cerveja, mesmo que sem gelo. Mas não tenho remédios pra fazer vez de tira-gosto.