segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Tempos melhores para o mundo. Tempos melhores para mim. Eu preciso. Preciso desse tempo, tempo sem tempo, tempo de pausa. Eu toda sou uma vontade de coisa melhor. Escrito nos braços, nos papéis, nos vidros, nas paredes. Mensagens de amor. Está tudo tão triste. É o tempo? O tempo de fora, o tempo de dentro – esse muito mais.

Chuva tem simbolismo bonito: o de renovar as coisas, levar embora as coisas más. E quando ela leva também as boas? E quando esse simbolismo de renovação já não funciona mais e a chuva parece é só trazer a solidão?

Debussy ao fundo. Escuro. Nessa época do ano, as pessoas deveriam se unir – e não se unem. As luzes deveriam me deixar alegre, e não deixam.

É sempre chuva, nesses dias, sempre chuva. A chuva o levou embora de mim. E essa cidade é tão grande, essa cidade é tão grande, submersa nas águas, submersa nas glórias de gente sem nome. Como te acho? Você tem nome pra mim. Pra mim e só.

Ai, essas luzes azuis me irritam. Essas gotas no vidro, essa solidão de metrópole. Pessoas se tornam apenas um borrão que passa e eu nem vejo o rosto, coberto pelos tantos guarda-chuvas. Até o caminhar se torna mais lento e cuidadoso.

Precisamos de dias melhores. E isso significa necessariamente dias sem chuva. Dias que já amanheçam dias e não como verdadeiras noites. Um dia assim clarinho, de céu limpo.

Precisamos de um brilho que-quase-cega, uma coisa que nos faça ver, por dentro, que depois da chuva, sempre tem sol.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Descobrir um novo uso para os vidros embaçados da varanda: o de escrever poesias.
Escrevo o teu nome inteiro do lado do meu com corações com sua caricatura com palavras de amor de livros ou minhas e as gotas da chuva começam a sumir, escorrer pelo resto do vidro, deixando aquela marca que se assemelha a um choro. Nunca havia percebido que, quando se escreve assim, as gotas vão caindo até o fim do vidro, parecendo lágrimas. São sim, lágrimas. Só lhes falta o sal. A dor do choro já têm. É a dor de quem escreve com os dedos, de quem faz o vidro embaçar de novo e de novo só pra escrever poemas e desenhar rostos que, logo, se apagarão novamente, sem registro algum. Quase como se não existissem. No fim, eles não existiram. Escrever no vidro é colocar para fora as dores, é como dizer para a cidade um amor que nem você sabe. É afirmar ao mundo, mesmo que o mundo, pra mim, não passe de uma avenida movimentada: eu te amo.

Eu te amo pelo tempo que a chuva dura. Eu te amo pelo tempo que o vidro permanece embaçado, pronto para receber segredos que não colocaria mais em lugar nenhum. Posso esperar que a chuva dure para sempre? Mas eu sei que depois sai o sol e leva tudo embora. Nesses dias, há chuva sem parar. Chuva desde quando acordo, chuva que me espera na varanda. Como se os astros, os deuses, os fenômenos da natureza adivinhassem e dissessem: vem que está tudo pronto, vem que já é hora de dizer ao mundo, vem que te cuido e te encho de zelos e cuido do teu amor por ele. E eu me entrego.

É sempre nublado. Esse tempo nem claro nem escuro que me deixa assim. É sempre esse cheiro de água, de lágrima de tanta gente. A chuva prepara tudo pra mim. Embaça os vidros, prepara o que preciso. Só falta escrever. E lá vou eu, descalça, cheia de uma vontade inexplicável. Seria tudo escuro, não fosse pelas luzes que nessa época do ano invadem todas as casas. Tudo converge para uma única coisa: o amor. Menos o meu. O meu nem é meu mais, o meu está no vidro, o meu está colocado para o mundo inteiro ver, o meu é em forma de desenhos, sem cor, feito com o dedo, simples, arcaico, bruto, como acho que devem ser todos os amores – e não são.

Eu queria era encher o vidro de tinta. Uma coisa que fosse mais eterna, uma coisa colorida e bonita que todos, acho que até você, pudessem ver. Mas nunca fui assim tão artística e sempre fui mutável. É melhor deixar com a chuva. Assim, a água também leva o que coloquei lá, numa forma de levar embora também da mente. E nem sei se nosso amor já ganhou cor - por não ter certeza se vale a pena o colorir.

Isso já está me doendo os olhos, dando aquela vontade de fechá-los e só acordar amanhã. Mas amanhã também estará chovendo, e pelo resto da semana, do mês. Chuva é um estado interno, não de fora. Acho que ela é muito mais estado de espírito do que fenômeno da natureza. E eu, no momento, estou totalmente dentro de uma tempestade daquelas.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Obrigada. É o que eu posso, é o que eu preciso lhe dizer.
Eu sei que deve estar se perguntando o por que. Deixa, deixa que até o fim eu explico tudo. Preciso me concentrar, deixe-me escrever, sim, por favor.

Só essa palavra é importante agora: obrigada. Sim, eu tenho tanto pra te agradecer e pedir e tantas outras coisas! Mas você sabe que eu caminho assim, a passos lentos, sem pressa.

Devo começar de que modo? Não sou boa dizendo essas coisas. Sim, vou do meu jeito. Eu só queria dizer que eu vi essa coisa, esse sentimento de não-sei-o-que crescer. Eu vi e ainda sou capaz de ver. Esse sentimento que não sei identificar. Nasceu assim meio sem esperança, jogado no nada. E quem diria que ele iria crescer, assim lento mas de uma forma bonita? E iria crescer tanto que quase me tomaria inteira. Cresceu assim em você também? Olha, você não liga que eu fique falando assim dessas coisas, não é? Eu preciso disso, pelo menos hoje, pelo menos agora. Eu ainda não sei o que sinto, não lhe atribuí nomes. Só sei que foi boa – essa descoberta assim, do nada. E quando descobri que isso só crescia e invadia as células, se impregnava, fixava. Foi bom.

Era como se todos os dias eu acordasse para algo estranho. Eu não sabia o que iria acontecer. Como se o céu, os astros, as pessoas e eu mesma estivesse em uma constante metamorfose, como se tudo estivesse, enfim, vivo? Não sei se é a palavra certa. Não importa...

E tinha tanto medo. Pois parecia realmente se importar com o que sinto, penso. E ouvir o que falo. Não sei, felicidade, quando vem assim tão forte e de repente, me dá um certo receio. É o medo de perder as coisas raras.

Em todos esse tempo, com você, pude aprender mais de mim mesma. Certas coisas que nem eu sabia que possuía. E vi a beleza da manhã bem cedinho e como é lindo o modo como as pessoas se relacionam. Afinal, eu nunca tive a sorte de achar alguém que respondesse. Pude sentir tudo o que tantos outros sentiram antes de mim e que me era completamente desconhecido. Vi como isso pode ser quebradiço, frágil e ao mesmo tempo simples. Coloquei em risco essa coisa-que-não-sei-o-nome por diversas vezes mas você sempre esteve pronto para me ouvir. Assim como agora. E acabávamos sempre resolvendo tudo. Você vinha sempre com aquelas palavras bonitas, de carinho, sempre mais certo, mais calmo. E eu sempre ia com minhas palavras poucas, simples, daquele jeito nervoso e sem jeito, onde muitas das palavras se atropelavam e perdiam o sentido.

Ainda possuo as dúvidas. Ainda morro de medo, nunca vou parar de tê-lo. Mas você, durante esse tempo, fez e me faz muito feliz. Obrigada por se fazer presente de tal modo e com tamanha intensidade em mim. Os poucos diálogos tímidos, as poucas demonstrações de carinho. Obrigada por tantas outras coisas que não sei como dizer...

Obrigada pelo que foi e pelo que ainda virá. Pelos aumentos de meus batimentos cardíacos, pela felicidade repentina que me invade a todo instante, pelas sensações diversas que me traz.

Prometo não deixar morrer, prometo dar-lhe pelo menos um nome, prometo colocar ali tudo o que tenho. Assim como espero que faça o mesmo. Para que a coisa-sem-nome possa ficar mais forte, mais nossa, mais bonita.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Sêneca

Eu que era tão boba,
Eu sempre tão apaixonada
Acabei colocando uma máscara
Só pra te agradar
E já virou parte integrante de mim.
Já não sei como é viver sem ela.
Vivo sob esse disfarce, por tentar te seguir.
Finjo ser artista, escritora, romântica.
Mil pessoas em uma só pessoa.
Minhas mentiras de cotidiano viraram verdades
E eu me tornei o que a máscara previa.

Você também usa tantos disfarces
Que nem sei se conheci o verdadeiro.
E nem sei se o que me conta, um dia, aconteceu.
Tantos em um só que até me perco
E corro o risco de nunca mais me achar.
Enigma da minha juventude
Herói e Bandido do meu tempo
Até teus olhos parecem mentir!
Ai, se eu fosse capaz de retirar as máscaras...

Vivo tão aprisionada dentro de mim mesma!
Eu queria mas não posso lhe dizer
Nem a metade do que sinto.
Preciso permanecer assim, distante.
Você também precisa ficar.
Ao alcance dos dedos, longe do coração...
Para que nada aconteça
Porque não pode acontecer.

Eu precisava, eu precisava lhe dizer
Mas a mentira, se acabar, só trará dor
Para ambos os lados.
E eu corro o risco de nunca mais me recuperar
Ou me achar de novo.
Mesmo que nós dois usemos máscaras
já aprendemos a nos conhecer assim.
No fundo, eu sei que você mente
No fundo, você também sabe que minto
Mas minha verdade é mais fácil de ser encontrada:
só olhar nos meus olhos, só ver meu sorriso diário.
Em você, não há como.
Eu busco, busco, busco e não sei se acho traços do real.
Teus olhos guardam encantos...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Versinho

Ele carrega o mundo
e a tristeza.
Ele é todo amor
e luto.
Olhos de menino.
Quero guardá-los
não somente em pensamento.
Teus olhos não te respeitam
Sua boca, sorri
Seus olhos, lamentam.
É a dor por saber
tudo de tudo
A dor por não ter mais dúvida
sobre o mundo.
Olhos cansados, antigos
Só eles falam e contam
o que você viveu.
É o preço.
Quem tem olhos assim
nada diz.
Nem precisa!
Os olhos falam por ti.
Tem como sentir falta de alguém que não se foi? É como se o tivesse perdido mas ele não está ausente. Dor adiantada. Um sorriso na companhia mas é sempre choro quando fico só. É que sei como será quando eu me for. Ou você se for.
Porque eu sei que eu ficaria, se pudesse. Eu sei que eu ficaria, fosse o que fosse. E abandonaria todos os meus planos, pra viver dos teus. E abandonaria tudo o que eu quis pra minha vida, se pudesse viver com ela junto à sua. Você, eu sei que não. Queria acreditar que também faria tudo pra que eu ficasse, mudaria as coisas pra que desse certo. Mas você não me impediria de ir, você não seguraria minha mão no último instante, no último adeus. Vai ser livre, pequena, o mundo é teu. Mas não quero. E você nunca me perguntou realmente o que quero. Ou eu nunca consegui te responder, por medo.
Escrevendo, eu consigo. Eu sempre digo as coisas mais importantes pela escrita. O que eu quero te dizer é que eu quero. Eu mudo tudo, eu traço novos planos. É só me pedir pra ficar. É só segurar minha mão quando tiver chance. Mas você não pede...

Eu já sinto sua falta sem ter te perdido. Sinto que sempre te perdi, porque não te tive. Nisso tudo, apenas por minutos eu pude ser o que quis e pude falar, com certeza, que estávamos ligados por linhas fortes, atados por linhas invisíveis, reconhecidos um no outro. E era amor.

Você nunca me prendeu, o motivo era sempre o mundo que me esperava, era sempre o tudo que eu possuía, era sempre o que eu precisava buscar para não jogar meu futuro no lixo. Mas o mundo que eu esperava era o teu. O tudo que eu possuía era e é tão vazio que nunca acreditei de verdade nele, o que eu busco está ao alcance dos dedos...

Eu abandonaria tudo. Só pra não ter essa decepção diária. A alegria momentânea que vira dor quando não te consigo. Cada dia, uma despedida. Sinto já sua falta. Sinto sua falta sem ausência. Sinto saudade sem distância. Sinto culpa sem pecado. E só me resta chorar.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Amor é a ordem do dia

Hoje estou cheia de amor. E não é um amor por si só, um amor por alguém. É maior. Sinto que meu amor chega até o outro lado. Ele só segue, sem distinção, abrange a todos. Meu amor hoje é por todas as coisas. Sinto uma paz imensa que me invade e faz com que eu chore, sem querer chorar. E faz com que eu cante e dance coisas que nunca aprendi. Elas simplesmente saem, não sei de onde, vindas também não sei como. É algo que não explico - não é preciso explicar.

Hoje eu só quero amar. Amar tudo o que me cerca, amar tudo o que conheço e não conheço, amar o que nunca irei conhecer. Só amar.

Depois de tudo isso, há o amor, não há? Caminhamos rumo a ele. É tudo o que existe no fim.

Não importa o nome que receba, não importa o que você seja, o que você siga, a tua filosofia. Tua filosofia é o amor. Nós somos o amor, nós seguimos o amor. Mesmo sem sabê-lo.

Minha vontade agora é girar. Dançar. Espantar o antigo, o que eu era. Hoje eu sou feita de amor. Um sorriso no rosto e uma paz gigantesca no peito. É tudo o que preciso. É do que precisamos todos nós. Espalhe a mensagem, doe-a, jogue-a ao vento que não será em vão.

Amor nunca é em vão. Meu pensamento vai longe, meu pensamento não tem mais ordem, meu pensamento se tornou algo do universo, do cosmo, das estrelas.

As lágrimas saem, junto o sal. São tão limpas!

Água pura. Limpa e leva pra longe, banha o corpo, lava alma. Leva minha mensagem aos outros, leva meu carinho também, compartilha tudo o que há em mim, para que eu possa receber igualmente dos outros. Troca de energias que faz com que tudo se renove, se multiplique e faz tudo continuar. É assim que flui. Somos nós fluindo junto. Em cada coisa, em cada animal, em cada planta, ecossistema, árvore, nuvem. Há um pouco de mim, um pouco de você, somos todos energias que convergem para um único ponto: o amor.

O que procuro está diante de meus olhos, o que tanto busco sempre esteve comigo, já vejo tudo, já entendo. Sou eu em ti e nos outros. São todos os outros em mim. A mesma energia nos cria e mantém, sem distinção.

Tudo isso é vital, é vital. Sinto só a luz que emana de todas as coisas vivas, sinto só sua natureza, sem matéria. O sentido de tudo é amor, a matéria de tudo é amor.

No mesmo lar, vivemos. Deixe-me compartilhar o que tenho. Compartilhando se cria, compartilhando se multiplica – para que todos sintam. Amor é a ordem do dia.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Acha que é dele a sombra a voz e o vulto o chapéu o casaco e o andar e ver que sem ele nada tem graça. Disfarça!

Uma recordação aqui no lugar de dois (ou mais) anos atrás. E o vê em todas as artes pessoas cheiros lugares por onde passa passou passará

Assim, sem pontos finais mesmo – é continuidade!

Só pra não pensar que morro de saudade desses anos estranhos (enganos?) que vivi ao teu lado

Amado

No quadro é você retratado. Os olhos distantes e errantes do homem numa foto qualquer. São os teus eu bem sei que os inspiraram – olhos que tanto erraram só de tê-los colocado em mim!

Não fui feita para ser olhada. A perfeição não pode olhar o sujo.

Esses tons de marrom é terra um casaco jeans, vidro. Te descrevo e te vejo diversas vezes.
Olho os outros nada vejo não há graça – e não passa.
Eu ouço dizerem: disfarça!
Mas como?

Umas mãos dadas, que ciúme, sentimento invade, quem me dera!
Fantasio como louca derrotada aquele beijo dela, com segredos que não saberei
Vejo outros dois, puro afeto. Nem preciso dizer o que imagino e preciso tanto tanto tanto que quase falta a compreensão sobra o incerto

Somos os dois nos outros porque em nós não podemos ser
Vivendo no alheio. Nessa vida não dá, dirá.

É esperar a próxima e ver ou arriscar e pôr tudo a perder pra ajeitar o que Deus desajeitou. Mudar planos rotas traçadas rotinas que dependem mais de ti do que de mim
Minha parte já cuidei só dizer que sim
Eu sigo...

Te vejo em tudo que faço nas esquinas por onde passo no café que acabou de sair
Te vejo: música e livros
descrição de personagens, vivos, quase saltam pelas páginas aos meus dedos.

Na próxima, na próxima, me espera
Até que eu chegue ao outro lado
Na próxima, não tarda
Aguarda!

Nasci.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Procura-se aquele rapaz
Que levava consigo as palavras mais doces
de onde eu alimentava os sonhos e as fantasias.
Dono de todas as minhas poesias,
Devaneios e noites mal dormidas.
Que só me trouxe saudade e o medo de separações,
Me fez comprar um relógio,
Adoecer de tempo,
Odiar pontos finais.
Procura-se aquele rapaz...

Dele, só me resta o nome
E o vermelho.
A sombra que eu reconheceria
mas não vejo.
De recompensa, um beijo.
Procurem nas avenidas, becos... onde se escondeu?
O meu andar é inquieto, minha pele em brasa.
Meu passado desapareceu...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Uma nova ânsia
Uma velha angústia
O conhecido aperto
Que me toma inteira.

A futura carta
O desconhecido
Um amor novinho
Para lapidar.

Todas as antigas dúvidas
Se juntam com novas
Pra fazerem festa
Dentro do meu peito.

Me deixar sem jeito,
Pronta pra fugir
Falta a coragem
Sobra o sentimento
Vou deixar fluir...
Sou nova e me sinto velha. Tenho tantas dúvidas mas, às vezes, sinto como se eu conhecesse todos os segredos. Mal comecei a viver e me sinto com a idade do universo. E um peso imenso em minhas costas.
Não há um dia em que eu não queira chorar e desistir de tudo. Não há um dia em que eu não lembre de algo ruim. Não há um dia em que eu não deseje ser outra pessoa.

Os olhos que não brilham, os cabelos que não possuem cores de fogo, o corpo comum. Faltam-me características minhas. A mente que não é diferente, os pensamentos que parecem todos iguais, nem os gostos parecem ser meus. A fala que por vezes não sai. E incomoda. Não consigo. Os fios de meu cabelo são castanhos mas não reluzem ao receber a luz do sol. Não possuem aquelas cores bonitas, vivas, sedutoras. Só há uma cor estranha – assim como tudo que eu sou. Meus traços são rudes. Meus olhos há muito perderam o brilho, são tão opacos os pobres olhos que nem me lembro da cor exata que eles tinham – se é que um dia tiveram alguma. Minha pele é seca, falta-me o frescor das moças, a pele rosada. Nem os lábios possuem cor. São tão brancos, os lábios, que pareço uma máscara - não possuo neles o carmim. Só há a pele pálida, as veias azuis – às vezes roxas - que me atravessam inteira, mostrando seus caminhos sob meu corpo como se fossem os meus próprios. Intermináveis linhas azuis, ramificadas, pontas que se perdem e se encontram.

Falta-me o jeito de mulher e ainda procuro o de moça. Estou perdida em algo entre essas duas coisas e não consigo me achar. Como posso, então, desejar algo desse jeito, sem ter nada que atraia a atenção?

Eu passo, não me vê. Eu falo, não me ouve. Eu mudo, continuo a mesma. Eu sumo, sou esquecida.

Para ele eu faço meu melhor sorriso, enquanto por dentro choro. Para ele me mostro feliz, enquanto, por dentro, sangro. Para ele, me mostro otimista enquanto, na verdade, acho tudo uma grande ilusão.

Por todas as falas que não me saíram, por todos os olhares que não consegui projetar, por minha falta de emoção, por todas as perguntas que não fiz e as respostas que não dei, por todos os diálogos que não comecei e os que deixei que terminassem, pelo tempo perdido e mal aproveitado, pela minha falta de jeito e tato, por todos os dias em que não falávamos nada.

E mais do que nunca eu o procuro, procuro, procuro.

Querendo ganhar dele os traços finos, reais e me iluminar da luz vinda do rosto dele e dividir com ele a cor de seus lábios e aprender com ele a ser o próprio sol.

Mas procurei e nunca cheguei a encontrar. Eu tinha o mundo em mim -e me pesava. Eu possuía o amor puro e ele não quis ver. Eu o havia encontrado mas ele me fugiu. Eu olhei direto para o sol e ele me cegou.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Talvez, quem sabe, um dia...

E que quando, talvez, você batesse na minha porta, eu diria algo como
-Você vem para ficar?
Com a mão no peito, como se estivesse a evitar que o coração saltasse para fora ou simplesmente batesse tão forte que simplesmente parasse.
E talvez, se você batesse na minha porta, você iria responder
-Eu venho pra ficar. Eu venho para onde não saí.
E diria que teu lugar é aqui, sempre foi, nunca pensou diferente, só que não podia, não devia... já desistiu de tentar se afastar, já não conseguia lutar contra isso. E seria o momento em que você talvez me guiasse para dentro, beijasse meus cabelos, tocasse meu rosto frio com teus dedos. Talvez ocorresse tudo isso. Nunca soube, já que não passou de talvez. E talvez, nada acontecesse. Nem uma batida na porta, nem uma sombra no corredor, nem um coração inquieto. No fim, você não apareceu. E eu só fiquei com o talvez, quem sabe, um dia...

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O que você está sentindo? - ouço perguntarem - Está pálida e branca, anda sempre a suspirar e olhar o chão!

Mas nunca me senti tão bonita como agora. Mesmo que as palavras de belo ou feio já não tenham valor. Olhe, pense, o que elas significam? Nada. Não há beleza nos que vêem, não há beleza para os outros. Só há o belo para si, compreende? Também não compreendo tudo. Penso que é apenas para ser assim. Por que? Não sei, eu só sinto. É assim. As coisas são simples se você se deixa sentir. Mas não deixamos.
Nunca me senti tão bonita como agora - repito, a palavra já parece-me desconhecida. Os sentidos, descobri tarde demais, não possuem significados. Os homens que teimam em dar-lhes nomes... mas eles não gostam de serem nomeados. Não precisam da necessidade de ordem dos homens, suas intermináveis separações, grupos, blocos, listas, ordens. Sentimentos se sentem. E ponto. É assim que eles se reconhecem uns aos outros. Você traz uma sensação assim, você traz outra...

Não nos basta o sentir? Palavras mudam, se esfarelam, envelhecem, voam. Sentimentos se guardam sozinhos - imutáveis.

Palavras de mais, sentimentos de menos.

Aprendi a sentir, falta-me desaprender a falar. Não preciso da boca, tenho olhos, tenho mãos. As falas mentem e nos deixam enganar. A boca diz uma coisa, o coração outra... Deixemo-nos falar, sim, de outro modo. Minha voz irá desaparecer. Sem cor, sem nome, sem nada - só com a coisa, a sensação, o palpitar. Logo me desconecto, me transmuto.

Emoções deturpadas, comuns, nomes que se escapam da boca sem serem sentidos. Já nos perdemos, mas disse que estou bem, estou ótima, estou viva. Sentimentos vêm e não os expulso.

Não, estou sã. Ou talvez louca. De que importa? Loucos somos todos, loucos estamos. Já a minha voz vai se perdendo. Vê, repara só, como sai fraca... está no fim.

Tudo termina para começar de novo, já não sabe? Não, Não irei morrer. Pelo contrário, o que pulsa em mim agora é a pura vida, a vida inicial, a primeira. Poderei sentir que sinto, que sinto. Já sou capaz de sentir...

Uma partida

Nesses dias é como se a falta de algo me purificasse. Não possuo nada dentro. Nem alimento. Estou sem fome, já não preciso, quero outra coisa.

Quero estar limpa, a começar pelo interior. Meu coração bate tão fraquinho que mal sinto. Ninguém escuta, ninguém percebe se tenho algo dentro ou se venho completamente vazia.

Meus olhos vêem sem que eu realmente veja e falo - sem realmente falar.
Eu só quero estar pura, de nada me adianta ser limpa por fora. O meu por dentro é sujo, eu já não quero mais. Quero ascender, sem a queda. O mais alto - seja lá o que isso signifique. Deve significar algo, não? Muitas vezes o significado mesmo de nada vale, já me escapou (sempre me escapa) - nunca tem volta. Agora, agora mesmo, nada parece fazer sentido.

As coisas são só coisas, os pensamentos de nada me valem, palavras são só sons que, por conveniência e costume, fazemos. A origem não importa - o fim muito menos.

Me parece que estamos todos a perecer de algo. Do que? Você me pergunta. No fundo, você entende e conhece o motivo. Mas o evita. É mais fácil evitar, dói menos, poupemo-nos todos dos males. O importante é viver - você diz. E viver como? Quem sabe como é viver? Isto que chamamos de vida é loucura. Já perguntei a todo tipo de gente e ninguém me respondeu. Os conceitos são outros, as importâncias são outras, o viver ganha sentido novo.

Não me encaixo. Eu só quero estar pura. Eles vão chegar, não tarda...

Dê às minhas palavras o significado que quiser. A verdade já está dentro, sempre esteve. É tudo uma questão de aceitá-la e buscá-la. Ela sempre se mostra, a verdade.

Já começo a dar voltas e voltas. Fragmentos me vêm à mente, teimosos, rentes aos olhos, quase-espinhos. Quero tirá-los, sem ter como - precisaria arrancar meus olhos.

Não penso em nada, folha em branco. Mas a memória não precisa ser pensada- ela pensa por si só. E sempre parece que está a zombar de mim.

Eu preciso do claro, do branco, da luz. Castidade, quero ir em teus caminhos. Deixo as memórias virem - na verdade, elas que me autorizam a ver. Marionete nas mãos de algo maior. Sou a ação - o meio - e não a causa. Não luto, não as nego. Aceito de bom grado o que tem a me oferecer.

Daqui a algum tempo, já não as verei. Não verei nada. Acho que já começou. Não sinto mais fome, não ouço os gritos e barulhos, minha voz retorna sempre ao ponto de partida.

É o sinal de que estou começando a partir?

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Você volta... mas some. Anos perdidos, sem você estar presente. Não sinto raiva, nem vazio, nem nada. Fui preparada para isso, ao longo dos anos.

Mas ao te ver hoje, por uma dessas coisas que acredito ser destino de tão sincronizadas, algo mudou. Fui eu?

Te abracei, apertei tuas mãos com uma força que antes não existia - era um laço frouxo e pronto para desfazer, não mais que obrigação de alguém que não sente, mas respeita a tentativa de redimir o erro - talvez em uma tentativa de relembrar uma infância ao teu lado que não existiu ( tua mão sempre maior que a minha e, acima de tudo, segura.)

Eu continuo sendo a criança que você não viu crescer, a que não te viu nos aniversários ou ao meu lado na cama, para livrar-me dos pesadelos. Como se sua presença pudesse afastar tudo. Naquela época, podia.

Páginas e páginas passam sem que teu nome fosse citado ao menos uma vez.

Te conheci sim. Por fotos e histórias distorcidas pelo tempo, pela memória. Em uma linguagem com que se trata dos mortos. E
senti tua face: sem emoção, estática, fria. Uma foto 3x4 na carteira.

Minha história ainda não acabou... As páginas continuam correndo, sendo escritas. Ao lê-las, gostaria de ver teu nome. Gostaria de viver a infância, dessa vez ao teu lado. Você sabe que continuo sendo tua menina. Eu ainda espero, eu ainda quero. E quero tanto...

domingo, 18 de julho de 2010

Eu consigo - mas acho que sempre consegui - sentir o peso da tua mão. Contraste intenso: tuas mãos tão quentes nas minhas tão frias. Teu calor me invade mas não é capaz de acabar com meu frio.
Será por causa do tempo? Sempre tão curto, escasso (e parece assim só para nós). Fragmentos de horas - nem isso. Não mais que minutos, não mais que o casual.

Ainda tenho o peso da tua mão e teus dedos longos nos meus. Cinco segundos eternos. O mundo parou?
Um som lento, moderatto. No fundo da sala, um violino. Não era triste, lembrava o mar. Me agarrou e puxou para dentro. O homem se contorcia, olhos fechados, quase um nirvana. Dedos longos que se moviam sob o arco, tão rápido que eu quase não podia ver. Sol - ré - la - mi. Sua mão se movia, frenética, no instrumento musical. E eu podia ver, de onde estava, o mar surgir na minha frente. E nadava, nadava... sem nunca chegar a lugar algum. A nota era baixa, ficava alta, tornava-se baixa novamente. Já não via mais violinista nem sala. A música reinava, me absorvia, as notas me alcançavam pelo ar. Por um momento, julguei ter o próprio oceano em minha sala e quis, mais do que tudo, me afogar nele.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Um dia sem fé, sem mim. Dia breve. O tempo: Chave de tudo. Eu só quero uma pausa. Tudo vira cinza.
Diálogos sem frases, silêncios em reticências, aspas envoltas no branco, uma vida sem pontos finais. Infinito de espaços, lacunas sem solução, uma história cortada, sem fim.
Era a praça, toda noite, era a praça. Colocava o seu melhor vestido, o cabelo em ondas descendo as costas. No sol, brilhavam como fogo. Mas era sempre noite quando ela saía. Pipocas e risos, casais que se juntam no coreto para valsinhas. Vai dançando, de par em par, na promessa de um amor eterno. Pega nas mãos, olha nos olhos e se entrega até o fim da canção. É assim noite após noite - sempre aos sábados. Ela espera. Sabe que um dia pegará nas mãos de alguém, olhará nos olhos, perceberá que as valsas agora fazem sentido e dirá: É ele.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Hoje, é meu aniversário.

Quando criança, minha ideia de aniversário era uma festa, bexigas coloridas, papéis brilhantes e de cores vivas embrulhando os presentes – secretos. Esperar ansiosa pelo dia, contar nos dedos, fazer planos. Acordar com as mãos de mãe fazendo cócegas e o telefone que já tocava antecipando desejos de feliz aniversário. Refrigerante e um bolo caseiro com velas, familiares, amigos, colegas e até os que nunca trocaram uma palavra comigo. Naquele momento eramos um grupo, reunido em torno de um objetivo: presenciar a felicidade de alguém. Estávamos todos unidos por algo que eu não entendia, numa atmosfera quase mágica e, acima de tudo, feliz. Sempre havia um primo que não aguentava esperar pelos doces e, olhando sempre ao redor, escondia sob os dedos um brigadeiro para depois o comer, sorrateiro.
E eu abria os presentes. Oh! Aquela boneca que eu tanto queria! Um urso de pelúcia! Era brinquedo para brincar por dias, semanas.

Crescer é perder tudo isso. Crescer é não ter mais expectativa. Crescer é.. tornar-se frio?

Onde foram parar as bexigas? Onde foram parar as pessoas?

O telefone não toca mais. Onde estão as mãos quentes que me acordavam pela manhã de meu aniversário com palavras doces e amorosas? Eu sei onde estão. Mas daqui, elas não podem me alcançar. Ou não devem. Eu diria até que não querem. Mas mãe sempre quer. Talvez quem não queira seja eu, então... mas eu também quero. Então por que as mãos não se encontram mais?

Aquele primo da festa está longe, não existe mais. Também não existem os doces que seriam roubados.

Só existe uma saudade. Mas sou adulta! E isso é sinônimo de passar os aniversários sozinha. Só que isso ninguém me avisou. Será que é algo que deveríamos aprender sozinhos? Um ritual de passagem?

As pessoas já não se unem mais para festejar algo maior. O algo maior não tem valor. Não há mais velas ou troca de felicitações. No máximo, um cartão de papelaria com uma frase pronta. Coloque meu nome e mande – pois não tenho tempo a perder.

Relacionamentos poderiam ser sintetizados nisso: Um cartão, frases feitas, silêncios.

Falta tempo?

Um dia sozinha. Mais um?

Monólogo entre quatro paredes. Presentes que compro para mim mesma.

Fazer aniversário não é mais festa. Eu já nasci, já aprendi a andar. Agora podem começar a me esquecer.

Já passei, já passou, já passamos.

Sei que não devo esperar nada. Mas ainda aguardo, ao lado do telefone, uma ligação, um contato, um diálogo, mesmo que por engano. Só para eu dizer e comemorar, com o peito estufado de orgulho: hoje, é meu aniversário.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Sorrir enquanto por dentro chora. Mostrar-se feliz enquanto, por dentro, sangra.

E sangra muito. O machucado é profundo. E o pior de tudo: não para. Alguém me dê a cura, por favor! - eu suplico. Mas sei que não há cura alguma. Na verdade, não há nada além disso: dor. Em mim e em todos à minha volta. Dor.

Uma hora você se acostuma – dizem. Mas não consigo me acostumar. Parece ficar mais intensa, a faca no peito não sai. Era pra sair?

Ninguém consegue arrancar o que me machuca, ninguém consegue completar o que me falta. Sem querer me dei conta. Eu tenho tantos ao meu redor e na verdade sou a mais solitária dos seres.

Porque todas as conversas não são o bastante. Eu quero mais. Eu preciso de mais – me dê para que eu possa beber dessa fonte e ser feliz. Mas você não me dá, nem dará.

Por motivos dos quais desconheço ou não aceito. Por um objetivo ao qual nem você acredita mais. A moral já se perdeu por entre os tempos - assim como eu.

O vazio. O vazio. Eu tento identificar onde e como ele começou, não consigo. Eu-era-tão-feliz-tinha-tudo-e-não-sabia-agora-só-me-resta-essa-solidão-horrenda.

Não há mais raízes, não há mais espaço, não há mais nem razão. Só que continua doendo.

Eu volto, eu voltarei, eu gostaria de voltar. Já não posso. Desconheço outra de mim que não essa de agora. Já tive outra face? Já tive um dia um sorriso? A boca sempre fechada, os dentes unidos – inseparáveis. Se quiser, poderei separá-los? Mas eu sei que não quero.

Já se passaram tantos anos... perdi a vontade de ser boa, perdi a vontade de...só ser.

Ser algo me desgasta. Ser algo necessita esforços. Ser me dói... nos dói.

Me ensinaram a pensar tantas coisas, a imaginar tantas coisas... mas não me ensinaram isso, ninguém se propôs a explicar. Olha, porque para ser, você precisa de... - Mas não sabem o que vem depois das reticências. Ser são reticências, penso. Mas não faz sentido e nesse momento é tudo o que preciso: algum sentido.

Mas ninguém me explicou, nem você. E eu não consigo aprender sozinha. Eu não consigo mais nada. Falta-me força, falta-me coragem, falta-me alguma coisa que se perdeu a tanto tempo... Falta-me algo que nunca encontrei, algo sem forma, sem cheiro, sem cor. Eu procurei tanto, tanto... Em todas as esquinas, as ruas, os rostos, as luzes. Nunca achei e essa ausência me mata – todos os dias, de pouquinho em pouquinho... Mas não morro. Quanto tempo tenho até desaparecer para sempre? Das memórias dele, dos diários, das recordações alheias, de mim?

segunda-feira, 29 de março de 2010

Na fumaça de um incenso.

Acendo um incenso. Ele se queima rápido, mal vejo. Cinzas que me lembram a dos cigarros... ou a dos mortos. Renovação. O ar com um leve cheiro de hortelã. Cantigas ao fundo, num clima quase místico. Seguro- o com as mãos, sacudindo-o no ar. Tanto o ar quanto eu: ambos limpos. Continua queimando rápido. Rezo. Peço todas as coisas, peço paz, peço um dia bom, peço purificação. E recebo. Hoje não quero ser eu. Quero ser uma partícula de poeira, a fumaça do incenso. Acho que até já sou: Sou simples e complexa. Sou nova e milenar. Carrego comigo outras mil de mim. Trago todas as dúvidas e as respostas, todas as razões e os sentidos. Ao mesmo tempo que não trago nada.
Mas não quero saber de complexidades, pelo menos hoje. Hoje quero apenas a fumaça do incenso na casa, enquanto canto, enquanto danço, enquanto peço e, acima de tudo, enquanto agradeço. E respiro na tranquilidade, na solidão que não é ruim. Com os pés descalços, caminho. Solta de tudo que me prende, livre dos grilhões. O incenso está acabando, a fumaça vai rumo à janela, ao céu e segue. É o meu jeito de mandar minha mensagem aos Deuses, assim como faziam as culturas milenares. É o meu jeito de dizer: Estou aqui.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Décimo Andar

Para ouvir ao som de Construção - Chico Buarque.

Manhã de Domingo. Bem linda, bem clara, bem limpa. Um sono com sonhos coloridos e brilhantes, sem sentido algum. De repente vozes e um barulho tão forte que, de dentro do sonho mesmo, pensei: uma batida de carro. E, ainda sonhando, não soube se o barulho era verdade ou se fui eu que o inventei. Despertei em um salto, assustada. Vozes em uníssono gritavam: coitado! caiu!
A verdade me bateu na cara como um tapa, que doeu mais do que qualquer tapa que já recebi.
Um homem, inerte, que havia pulado do décimo andar. O barulho que ouvi? Som do baque do corpo contra o concreto. Perto de minha janela. O sangue quente, os olhos sem cor. Concreto vermelho e o líquido da vida anunciando a morte. Morte. Essa palavra tão feia, tão suja. As cabeças surgiam devagar pelas janelas, corpos se amontoavam, dando cotoveladas, em volta dele. Crianças corriam pra ver. Eu só consegui ouvir os choros, as palavras das pessoas indignadas ao redor. Todos esses barulhos misturados ao meu próprio pranto. Tinha mulher, tinha filhos. Mas faltava. O que?

A rede da janela cortada, sirenes. Ninguém o cobriu. O rosto ali, para quem quisesse ver. Os motivos? Ninguém sabe. Era bom moço, trabalhador, ouço dizerem. O corpo? Será levado. Mais um hoje, chefe, um covarde, mente fraca porque ninguém tem o direito de tirar o que Deus deu. Não é o que dizem?

Talvez seja exatamente o contrário. Talvez ele fosse limpo demais, inocente demais para viver no meio de toda essa podridão. E foi forte e corajoso o bastante para abandonar isso em busca de algo intocado e puro.

Eu não sei o que o homem pensou. E nem sei mais o que eu estou pensando. Mas, hoje, vestirei branco e rezarei. Por ele e, principalmente, por uma humanidade mais bonita, pelo fim dos amanhãs sujos e do futuro incerto. Vamos sorrir, vamos amar uns aos outros, vamos buscar uma harmonia para que muitos como ele encontrem aqui o que foram buscar em outro lugar!

Enquanto isso, a marca de seu sangue demorará a sair, para nos lembrar dele, para deixar a faca no coração. E, de repente, o domingo se tornou sombrio e tão escuro que já não consigo enxergar. Nem compreender.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Tapas e aprendizados

Sim, eu sou a das novelas, a dos dramas. Mas desde o começo isso que senti foi verdadeiro. Nunca menti. Só tenho medo. Você é tão idiota que não percebe? O que você pensaria se uma pessoa que te ignorou desde o começo de tudo, de uma hora para outra, dissesse que sim, que aceita, que quer? Pois eu posso te dizer, colega, eu não acreditei. Já vi esse filme, cara. Óbvio que achei que ia ser mais uma, usada, coisa descartável. Não, cara, não sou e nem serei dessas. Se você quer, você quer. Tem que ser verdadeiro, simples. Não quero alguém que me venha jurando amor sem nem senti-lo de verdade, dizendo frases feitas. Eu quero que você me venha completo. Assim, com todos os sintomas de um amor. E eu senti medo, é normal! Você nunca sentiu medo de perder algo que você ama? Acho que a pior coisa não é nem nunca ter algo. Porque se você nunca teve, você só sonha, sabe? Você só imagina coisas como Poxa como seria bom se eu tivesse, se me amasse, se... E todos os meus amores até agora foram assim. Um conjunto de “se” infinitos. Só dúvidas, só interrogações. Nunca uma afirmação. Pelo menos, nunca uma que fosse totalmente verdadeira. E eu sempre saí, digamos... intacta. Assim, sempre tem aquela dor do fim de amor, coisa comum. A dor de algo que eu nunca tive. Agora, imagina eu que sou assim toda besta, toda vou-me-entregar-de-corpo-e-alma-porque-dessa-vez-dá-certo? Não daria certo. A dor de perder algo que já se teve é bem pior do que o que só ficou nos planos e na imaginação. Você consegue ver a diferença? A dor de se ter, de possuir, de trocar todas aquelas confidências e sonhos e essas coisas idiotas para depois – simplesmente- sumir é bem maior. Se for assim, prefiro nunca ter. E pensando agora, foi bem melhor eu nunca ter sido correspondida pelo teu amor. E olha que sonhei com isso muitas vezes, muitos dias. Mas se for pra eu te ter, ficar com aquela felicidade toda, aquela sensação boa do amor – que só imagino – e depois isso tudo for arrancado de mim, prefiro nunca saber o que é o amor.

Eu acho realmente que eu não podia ter te amado. Desde o começo você sempre me tratou mal, cheio das suas frases de impacto que fazem qualquer uma desistir na hora. Mas não, eu não. Por mais que eu queira, não consigo mudar. Tenho sempre que ver o lado feliz das coisas. Que lado feliz, cara? Porque eu teimo em achar a merda de um lado feliz onde não tem lado feliz algum? Mas eu vi. Um-dia-quem-sabe-num-encontro-casual-ele-se-declare. E em quantos encontros casuais desses eu fui... Todos. Nunca perdi a oportunidade de estar lá, sempre estive presente, mesmo quando ninguém conseguia ver um happy ending nisso tudo, eu continuei. Uma frase indireta, um recado fofo pra você ler, só pra você ter a certeza de que eu ainda me preocupo, de que eu continuo aqui, pra quando você quiser, eu tô aqui, é só você vir, eu te abro os braços, te encho de beijos, porque ainda te quero. Não é assim, nos livros?


Pra que? De que me serviu todo esse tempo perdido? Só pra no final você foder com tudo e dizer que, claro, eu só faço novela, eu-não-quero-eu-não-quero.

Mas, me diz, você nunca sentiu esse medo? Pois eu sinto e sinto muito. Sempre quis, como qualquer pessoa, amar e ser amada, claro. Mas ao mesmo tempo, me acho muito idiota, que eu nem aprendi a viver ainda, que eu não estou pronta, que eu não saberia lidar com uma coisa tão... sagrada, linda, pura, como o amor. É algo muito precioso de se ter nas mãos, quase como uma vida, você entende? Por amor, as pessoas morrem, cara, as pessoas matam. Como eu, assim tão ingenua, assim tão sem experiencia em nada, conseguiria cuidar bem de um amor? Se não consigo nem manter amizades ou diálogos simples?

Eu tava sim morrendo de medo e ainda estou! Você do nada disse sim. Eu achei que era mentira. Achei que era mais uma brincadeira estúpida, vamos-ver-a-Isabel-se-descabelar-pelo-amor-de novo. Depois logo pensei: Se acontecer mesmo, como será depois? Ele vai querer manter algo, sério, ele vai falar coisas tipo mas-sempre-gostei-de-você-desde-o-começo? Pedir desculpas, na sombra de uma árvore, pegar nas minhas mãos e me dar um beijo enquanto vem um vento gostoso e balança nossos cabelos?
Não, o amor não é isso. Eu tô vivendo de ilusões. Agora sim falei a mais pura verdade: a minha vida inteira é ilusão. Quem eu tô pensando que sou? Minha vida não é filme, não. Essas cenas assim, perfeitas, só acontecem em filmes, em livros. A vida é dura. Clichê mais verdadeiro. A vida te dá tapa na cara, te faz aprender, te faz ver que, cara, ela nada tem de parecida com os contos de fadas. Eu aprendi isso tarde demais.

Sabe que eu realmente penso em só ter amores impossíveis? É algo a se pensar. Porque, raciocine comigo – se você ainda estiver me acompanhando – eu entraria no amor sem nada a perder. Eu já entraria sabendo que não ganharia nada, entraria limpa, sairia limpa. Amar só por amar. Sem esperar nada em troca. Não é uma boa? Mantém o coração ocupado – coisa essa que eu preciso, de tão idiota e romântica e sentimental e trouxa por acreditar num amor, assim, forever.

Não sei onde li, não me recordo. Quando não se tem um amor correspondido, é isso que costumo fazer: afundar nos livros com romances água-com-açúcar, um romance daqueles bem idiotas, cheios daquelas frases que tanto gostam de dizer e que, depois de alguma barreira, ficam juntos no final. Um filme daqueles cheios de choro, de desencontros, até que, as always, o mocinho fica com a mocinha, se casam, tem filhos, um completando o outro, sobem os créditos e the end. Mas, estou me perdendo. Li em algum lugar que um escritor, um verdadeiro escritor, não pode ter um amor correspondido. Então, já posso me considerar uma escritora perfeita, mesmo com todos meus erros e manias e palavras pobres e uma-eterna-aprendizagem-pela-frente? Penso, às vezes, que viverei desses amores de um dia só. Sabe? O amor do bar, da esquina, da rua. Aquele em que você se joga com tudo o que tem e vive ele por completo, por um dia, sente o amor ao seu máximo e depois o deixa ir, cansado. Não deixa de ser amor, certo? E quando uma pessoa sozinha encontra outra também sozinha, o amor acontece de imediato. As pessoas precisam de amor. Não tem como dizer que não. Posso dizer que tô me cansando dessa história de amar alguém. Mas sei que esse cansaço durará no máximo alguns dias. Depois, já voltarei a procurar o amor – coisa doida! - e a querer entrar nele com tudo: corpo, alma, coração – pois é só isso que possuo. Por enquanto estou nessa de não acreditar mais em nada. Nem no amor de ninguém. Estou naquela fase em que se olha os filmes de amor – aqueles que já citei – e se pensa coisas como que-mentira-que-farsa-ninguém-ama-ninguém-assim-acorda. E me sinto uma sem sentimentos, coloco Chavela com sua voz que dói como um tapa. Esse amor é a minha agonia, esse amor é a minha tristeza, por isso quero morrer, ela canta. E soa como verdade absoluta, pelo menos agora. Não, eu não sou dessas idiotas que pensam no suicídio. Eu continuo vivendo, cara. Sem esperança, sem porra nenhuma, mas continuo. Quer destruição pior que essa? Morrer lentamente, um dia após o outro.
Toda uma vida, estaria contigo. Não importa em que forma nem onde nem como, mas junto a ti. Toda uma vida, te estaria mimando, te estaria cuidando como cuido da minha vida que vivo por ti. Não me cansaria de te dizer sempre que é em minha vida ansiedade, angústia e desespero. E mais tapas, mais socos, mais avisos, em cada palavra que ela canta. Mas eu continuo não ouvindo o que dizem. Sou daquelas que nunca aprendem.

Relaxa. Daqui a alguns dias eu já to acreditando nessa merda toda de novo. Você não sabe que eu sou assim? Já que julga saber tanto ao meu respeito. Eu preciso acreditar nisso. Porque eu só quero amar e ser amada de volta, olha que ideal mais idiota e até certo ponto, simples e estúpido. Eu só quero dar meu amor pra alguém. Busco. Eu corro atrás disso, procuro, com uma determinação que não tenho pra mais nada. Deve estar em algum lugar,sabe? Se realmente existe, numa hora dessas, deve estar se perguntando onde estou, como serei. Procuro nas ruas, nos becos. Um dia encontro. Um dia ainda tenho meu E-viveram-felizes-para-sempre. E deixo para sempre o papel de grande escritora para ser só mais uma idiota que ama e é feliz.