quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Comprava livros escondida. Escolhia os amarelados, puídos, com grandes escritos feitos com caneta. Escolhia seus livros de arte, de política e lia-os com avidez diante de uma lamparina fraca, temendo algo que a estragasse os olhos. Lia-os para integrar-se em outro mundo. Andava com eles debaixo do braço na esperança de que alguém a visse e sentisse orgulho da moça que ela era. Seus livros de Garcilaso, de arte contemporânea, de Sartre e Camus – pretendia entender a existência de todas as coisas mas, principalmente, dela própria. E no seu quarto largava-se ao chão assim que se encontrava sozinha. Era no tapete que saboreava cada figura dos livros, cada quadro apresentado com aqueles olhos gigantes que a fitavam das páginas velhas. E surpreendia-se com os olhos-amêndoa de Modigliani, sem pupilas ou nada que os denunciassem – somente o vazio ocular. Gostava da decadência de Schiele, do colorido de Renoir, do dourado-que-lhe-doía-nos-olhos de Gustav Klimt. Absorvia cada palavra nova- principalmente as mais fáceis que possuíam complicados significados como saudade, ou as gigantescas e complexas que tinham um significado um tanto simples como Serendipidade – o puro acaso, a coincidência. Anotava-as no caderno que carregava como se aquilo fosse valer pra sua vida. E as olhava com frequência, tentando absorver delas aquilo que outros absorveriam da vivência. Pudesse, rabiscava o corpo inteiro com tudo o que a constitui. Pudesse, seria um punhado de frases e desenhos e bordados. A mãe sempre com pé atrás ao deixá-la sozinha. Dizia da sua tendência natural às coisas tristes, ao abandonar-se no ócio dos movimentos – as ideias, não. Nunca paravam. - ao deixar-se sem alimento por dias pra sentir-se limpa de tudo. Tinha sempre companhia, não a deixavam. Quando sozinha, temiam um salto pela janela, um ferimento feito de propósito, um choro desmedido enquanto se desvencilhava de si própria, lutando contra o próprio corpo e batendo contra as paredes. Não podia. Ninguém sabia o que passava no dentro dela. Achava-se nova e cheia de uma vontade de mudar. A frustrava o fato de não conseguir nem a mudança em si própria nem nos outros. A frustrava o sentimento perdido ou mal aproveitado, o amor ruim, os acidentes. A frustrava seu conjunto de frases, seu mal jeito na própria expressão. Quando sozinha, queria mesmo era manter o silêncio mas achava impossível e pensava-se a ponto de enlouquecer e, como pensavam, pular pela janela. Bem às vezes lhe vinha a ideia de compreensão do universo e isso a deixava inquieta, como que com vontade de alertar os demais e escrevia. Escrevia, desenhava como louca, pintava paredes e mãos e dedos com frases e rostos sem forma e corações puros. Mas não a entendiam. Nem ela mesma. E se fechava com os livros na vontade de se fechar com pessoas. E criava seu mundo à parte na vontade de se integrar ao real.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Vou sentir falta das poucas vezes em que conversamos, fizemos madrugadas inteiras de conversas pelo computador onde nenhum de nós se atrevia a sair, para não perder as risadas. Éramos todas nós e você, o único menino do grupo, dizendo-se homem de todas, e ríamos. Faz tempo. Vou sentir falta de quando eu falava animada e de repente você saia sem dar explicação, não respondia nada enquanto eu esperava te xingando mas, depois, me acostumava falando um Ah-mas-é-o-Fabs-a-gente-entende. Nunca pude te ver pessoalmente e, mesmo assim, te sinto um amor gigante. Agora é aprender. Aprender, não, a gente nunca aprende a viver sem alguém – a gente só sobrevive.

É, Juvenar, tava tudo tão feio aqui, tudo poluído... lembro quando eu cantei essa música e você foi logo falando que também adorava. E virou como meu símbolo de amizade contigo. Ouço-a hoje, com você do meu lado. Porque sei que você tá aqui, junto da galera toda que te adora, xingando e deixando a gente sem resposta na conversa de madrugada. Imagino que esteja como na música: com porco, galinha, pato, carroça, cachorro, carro de boi, correguinho e tudo. Corre pro vento, Juvenar, e o abraça. Eu te amo!

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Nos olhos, o brilho que denunciava o choro. Conheço bem, por sempre estar presente nos meus próprios olhos. O brilho estava lá, umedecendo- os. Achei lindo. Era a força da água derretendo minérios. Era a água de dentro dele criando força pra sair. Eu havia conseguido. Eu sabia que tinha só a casca de mineral. O por dentro dele era tão orgânico, tão feito de água quanto o meu. Talvez até mais. Eu só queria era ter transposto barreiras, ter feito com que ele percebesse e deixasse se perceber como água corrente. Não é fraqueza, não. Ser orgânico não é apresentar-se frágil ao mundo. É saber entendê-lo. É potencializar o que outros ignoram.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Abria o dicionário sempre na mesma página. Era pra não esquecer, mesmo que já tenha decorado, o que era saudade. A rigidez da explicação culta, a síntese em poucas palavras daquilo que ela nunca conseguira definir e trazia abstrato no peito. Saudade. Decidiu colar na parede, lá ficou.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Me encontro acamada. Nesse domingo chuvoso a única coisa que quero é escrever versos.

De xícara em xícara, consumo cafés com avidez enquanto procuro em páginas de livros amarelados a solução para todos os problemas. No meu caso, do amor.
Penso em cortar o cabelo. Uma mudança no por fora quase sempre vem acompanhada de uma mudança no por dentro. Não é real, a mudança. Mas alimenta a ideia. Ideias alimentadas valem mais do que a parte real delas.

Penso em jogar fora os papeis de meu quarto, as miudezas guardadas em caixas. Mas de nada adianta a limpeza quando eu mesma não posso me jogar pra ser recolhida ou reaproveitada.

Além do mais, a falta de ar nos pulmões me impede. Sempre que fico doente me vem os versos de Augusto dos Anjos: Profundíssimamente hipocondríaco...

Porque eu também sou filha do carbono e do amoníaco. Porque eu também, ao longo dos anos, me transformei em monstro de escuridão e rutilância.

Essa mania de querer ver poética no feio e no sujo. Essa mania de achar que posso transformar o cinzento dos meus dias com as palavras rebuscadas e a quebra da ordem canônica. Mas foi assim que joguei pão aos pombos, alimentei esperanças, me acreditei limpa, e melhor.

E foi com a falsa certeza do que eu era que ele me veio.
O silêncio criado na mesa servia pra deixar-me poesia. O silêncio é uma forma de amor, eu pensava. De fato, o silêncio é uma das formas mais puras do amor. Não podia fazer nenhum barulho. Treinava para que minha respiração conciliasse com a dele, o peito no mesmo ritmo, no mesmo movimento para que talvez ele pensasse que até nisso éramos parecidos.
E não era permitido ao amor a respiração ávida e penosa que eu sempre tinha, aqueles suspiros ruidosos que, desde nova, aprendi erroneamente como sintomas de amor.
E não fazia nada que pudesse ser brusco, com medo de assustar o momento e fazê-lo sumir. Cada movimento das mãos sobre o guardanapo, cada ajuste no cabelo, cada movimento de cílios ou da língua pra umedecer os lábios era com uma calma que não possuía. O outro par de olhos, a outra boca à espreita, na minha frente, deveria adivinhar os meus gestos, sem gerar surpresa, como se fosse assim pra vida inteira. O amor, descobri tarde demais, o amor é reconhecer os gestos. O amor é a união dos passos lentos por baixo da mesa, os pés em sincronia como na dança, as mãos com leveza que se movem. Sem expectativas penosas, sem sobressaltos. É reconhecer a sombra, o recorte do corpo do outro. Agora movem-se as mãos com carinho. Agora ele deposita a palma da mão aberta na mesa e eu penso assim: que bonito que é o espaço criado entre os dedos. Que bonito que é o modo como uma mão foi feita pra encaixar perfeitamente na outra. É isso que se espera da mão, nada mais – que se encaixe em outra.

E a minha mão vai de encontro à dele, como ele anseia que aconteça. E é o momento em que levanto o olhar para os dele e ele já sabe e espera sem ansiedade, só com a paciência de quem sabe o que vai acontecer – porque uma das formas de amor é a espera do que se sabe certeiro.

Fico pensando em diálogos dos filmes de Godard, me vem à cabeça aquelas frases todas de livros que devorei com vontade pra que chegasse o momento em que as diria pros olhos dele. O momento veio, não fiz. O amor não precisa de diálogo - como uma sabedoria milenar. Diferente de nós humanos táteis, necessitando de palavras para preencher lacunas, com atropelo.
Ele ainda me olha. Talvez também pense em todas essas coisas. Talvez pense em Garcia Márquez, que tanto lemos devoramos e quase ficamos míopes com os livros debaixo de uma luz fraquinha, pra não acordar os outros habitantes da cama, da casa, da cidade.
Porque ele, assim como eu, decorava e transformava os personagens, caindo em deleite e riso frouxo ao imaginarmos como eles.

Penso em tudo isso enquanto estamos na mesa. Coloco o cabelo pra trás da orelha, ele já esperava o meu gesto. Sem surpresa, sorri. Retribuo. Agora, ele vai apertar os olhos tão pequenos e acariciar a mão que continua unida na sua, com suas unhas em formato de leque – um pouco roídas. Pedimos café: o de sempre? O de sempre, respondo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Mas ainda é tão cedo, não são nem 20h e já estou em um estado deplorável. Coloquei as músicas, selecionadas a dedo. Todas todas todas fazem tua cara surgir na minha frente e às vezes a sensação é tão forte e real que juro que estendo os braços pra frente, escrava eterna, pra conseguir seguir o contorno desse teu corpo que eu nunca tive por mais de segundos, numa esperança de conhecê-lo melhor. Chico Buarque canta que apesar de você amanhã vai ser outro dia. É mentira (…)

Apesar de você, não. Não tem dia, não tem amanhã, não tem outro. É essa a palavra: outro. Não tem...

Mas é ainda tão cedo, não é nem dia dez e já estou em angústia, largada no tapete do quarto. Pelo menos não me doem as costas. (Eu não me importaria, se doesse.) Já ando em frangalhos, o cabelo desgrenhado, maquiagem borrada de choro. Coloco a música mais alto pra disfarçar os soluços. De nada adianta, quando eu sei o que se passa. (E só eu, às vezes é a certeza que tenho. Na maioria das vezes, nem isso.)


Ai, como eu te amo... esse laço no meu dedo, a fitinha colorida e trivial, acho que você não percebe, acho que você se finge Édipo, eu sempre procurando referências, eu sempre procurando afinidades ou as criando, porque é sempre a proximidade que anseio com a ponta dos dedos. Você não percebe, você não vê, a fita rosa feito nó que machuca, de tão apertado. Labareda em minha carne. Labareda em minha carne. (…)

Sou toda artérias. Sou a matéria transfeita, pedaços do coração. Sou todos os livros, os artigos, as músicas, os poemas, apelidos e toques trocados, miudinhos e escondidos, por isso mesmo mais intensos.

Euforia extremista, disforia velada? Talvez o amor seja a busca de acontecimentos. E só ele. E mais nada.


Diálogos invisíveis.





Não é nada.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Cabelos em desalinho, o batom vermelho, o sapato de salto. Usava seu sobretudo, fazia frio. São Paulo nesses dias a lembrava Paris - Mesmo que nunca tenha conhecido. Era aquela garoa fina e o chão molhado, a atmosfera úmida e com um sol tímido. Saía de casa pela manhã bem cedo, pra ter aquela sensação de que se aproveitara o dia.

Seu salto alto fazia barulho, não reclamava. Sentia-se adulta, sentia-se mulher com o salto em seu tac tac tac contínuo por todas as calçadas, o movimento de sua saia que acompanhava o ritmo do passo.

Nos fones de ouvido, Edith Piaf vinha em um crescendo cantando seus erres em Non, Je ne regrette rien.
O eufórico não pode pertencer ao mesmo local que o disfórico. Sendo assim, deve-se destruir ou fazer com que um deles se dissolva. Seguem destinos que, por vezes, se cruzam, mas tão logo o encontro acontece, voltam aos seus roteiros originais, sem abandonar a trama. Não podem acontecer simultâneos.

Eu não sei, mas me diria disfórica. Sempre há o elemento do erro, persistente e impregnado que não me larga. Mas isso não importa. Mesmo que me julgasse eufórica, sou eu que parto. Sou eu que abandono o território que me incubiram. Sou eu que nunca combino.

Sabendo disso, me preparo pra partir. Preparo, não. Não sei escolher palavras. Mas não diria preparo. A preparação eu nunca tive, não terei. Tempo pra isso tive, e não quis. Será como vertigem, extremo do precipício. Aprendizado de necessidade. Me jogo e aprendo a voar.

Mesmo disfórica, a dialética não acontece. Ele é por demais meu oposto. Ele é por demais feito de campos semânticos diferentes: profundo e obtuso. Eu, discurssiva, superficial, tendo como base o erro.

Abandono o campo de forças de anos, abandono porque o tempo já me corroeu a face, o tempo anda marcado no pulso e nas datas comemorativas que ele tanto faz questão de lembrar. (...)
Coloquei a fita de cetim no dedo da mão esquerda. É rosa, como um doce gostoso.
Só depois de colocada, a epifania me veio. “Está tentando não esquecer do que com essa fitinha no dedo?” me perguntaram. E então lembrei de quando eu era criança e minha avó dizia a mesma coisa. Pra se lembrar de algo, pra dar ordens à mente, basta atar uma fitinha no dedo. A fita faz com que você olhe para as mãos e lembre, sempre. Eu tenho ele, pra lembrar. Eu sempre tive ele pra ser, assim como em um conto de Dalton Trevisan, a faca no coração.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O outro nada mais era do que uma continuação. Pensava-o como rascunho, esboço do primordial. A forma ideal era o dos símbolos, o outro era como um ramo, caule preso, anexo.

Ainda tinha suas formas feitas de linhas emaranhadas, fios de cabelo, eletrosfera. Eram as mesmas conversas, os mesmos livros trocados. Ele supria o sentimento que faltava, enchendo o peito dela da seiva bruta que pedia como planta ao sol. O primeiro, epigênese, era o eleito como ditador eterno, no seu regime totalitário – o coração.

Não sabia se o novo seria símbolo. Mas ela que iria escolher se seria protagonista. Ela iria impor-lhe papéis e máscaras, num amor pequeno e transfeito, que não jorrava de fonte limpa e farta mas mesmo em quantidades pequenas, era alimento.

O significado, o signo, quem dava era ela. Pelo menos no reino do coração, ela tinha seus ofícios. Mesmo confusos ou sem ordem lógica, sabia o que era cada coisa, pois as sentia.
E era bonito quando pensava em dizer aos primórdios, depois de anos: Te amei com cada célula do que fui. Te amei de um jeito desesperado e sem glória. Mas cada poro sentiu. Mas por você e pra você que eu era alguém. Mas por você e pra você que eu me humanizava cada vez mais, sem me perder dentro de mim.



Sabia que olhava pro primórdio com olhares do presente. Que o presente soava como desespero e voragem, que tudo parecia imediato e maniqueísta. Presenteísmo puro, hora marcada, unha fincada na pele pra marcar cada sensação, pelo prazer puro de durar mais. Sabia que pelos olhos do presente ele era tudo o que ela queria conhecer, o começo e o fim, a vertigem. Palavra bonita: Vertigem. Sensação de tontura, de pé próximo ao ponto máximo, queda imediata. Vertigem. Vértice. Vertigem. Vulcão de cinzas amorfas, era ela. Ele lhe dava a sensação de insegurança, de proximidade com o precipício. A vontade da queda, a hesitação, aquele cai-não-cai, era ele. Se caísse, inevitavelmente deixaria de ser.
Sabendo que o via desse jeito, lhe perguntava quando é que seria capaz de olhá-lo com olhos de passado, nostálgicos - com toda a calma de águas que isso lhe traria ao peito, sem o tremor das pernas. A resposta lhe pareceu abstrata, longilínea, de palavras próprias.
Sentada em um banco, no meio da rua. Naqueles lugares incomuns. Os lugares comuns me cansaram, pois lá nunca consegui ver ninguém. Não realmente.

Estaria lendo um livro – talvez Gombrich, talvez Argan, quem sabe Ionesco ou Guy Debord ou um livro com trabalhos de Modigliani e Egon Schiele. Talvez eu esteja só desenhando, rabiscos com um lápis qualquer enquanto observo uma pessoa um prédio meus próprios pés.

E no meio dessas divagações, ele apareceria. Sentaria do meu lado no banco, olharia para mim disfarçadamente, pedindo licença ao sentar – educado desde o primeiro momento- tirando também um livro, um caderno, um projeto. Olharíamos um para o outro como quem não espera nada – porque sabemos que nessa cidade, o esperar é perigoso. Até que toma coragem e se aproxima, repara de repente nas mãos sujas de tinta que carrego como troféu. Você tem mãos lindas – ele diz. Sua voz baixa como sussurro, certeira.
...

Ele conheceu tudo o que eu tinha. Eu me entreguei já no primeiro momento sem nem perguntar quem ele era. Tinha um nome, tinha, e era bonito... acreditei na voz dele mesmo sabendo que poderia mentir a qualquer momento. Não sei se ele era filósofo, artista, ator, poeta. Quem sabe ele era um conjunto de todas as coisas. Carregava os olhos doces e carentes, a figura imponente e altiva e as mãos, as mãos eram como as minhas, sujas de tinta.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Escondia a alma no pâncreas, era mineral e, como característica inata, se mostrava eterno. Resultado de uma série de intempéries, sem nunca deixar de ter um núcleo ou fio condutor. Sabia bem o que era, o que trazia consigo, não mostrando a ideia de um desmanchar-se no ar pra outra coisa. Só agia com absoluta precisão, análise pura e racional de fatos. Não parecia disposto a deixar-se levar como água, não parecia viver em um clima propício a acidentes – no seu caso, o acidente seria ela, mas sabia como se locomover em terrenos lodosos.
Achava-se como transfiguração de outra coisa, resultado de vulcões transfeitos, de um endurecer eterno que acabou moldando-o. E só a água, orgânica, conseguia saber com sufoco e persistência, o que ele escondia, a alma reservada.

Ela se pensava água. Sabia que era orgânica, sim. Ela toda era feita de pedaços, colcha de retalhos, união de tudo o que recebia como estímulo. Diferente dele, nada durava. Era decomposta em pedaços, cada vez que o tempo passava. E só tinha a certeza do carbono, a certeza da vida que lhe corria. Mas se a vida era esse decompor-se constante, o que poderia esperar? Se a vida era isso, ela queria outra coisa. Só não conseguia mudar. Viver era perder pedaços, afastar-se da união de duas pontas.

Ela se pensava água. E gostava de pensar assim, pois só a água era persistente o bastante para não deixar-se cansar. Ela é quem deixa a alma exposta sem medo, saindo direto das células e dos elementos que a compõem. Diria até que desgasta, mas não. A água traz à tona o que o mineral esconde. A água busca fundo, num trabalho minucioso, tecelã de fios emblemáticos. Digere pouco a pouco a matéria, lapida o minério bruto. Sabia-se efêmera, sabia-se como liquefeita a qualquer mudança brusca, mas a linha tênue a ajudava a ser forte.


Via-se cada vez mais fadada a se decompor. Orgânica, estava sendo consumida pouco a pouco, ao longo dos anos. Já estava no fim, sem saber ao certo se conseguira chegar ao núcleo. Resistências, existências, reticências...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A bailarina nasce pra uma única dança. Calça as sapatilhas e se despede, bailado da morte. Efemérida.
As pernas tremem sem obedecer, passos que nunca ousaram dar saem perfeitos. Sem ensaio, como a própria vida. Pisa no palco com orgulho e medo e, ao fim, se despedaça.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Desde o começo eu sabia, já tinha bem claro e definido que a fraca de tudo era eu.
Sabia que poderia ser em vão, que era risco o arrependimento mas mesmo assim tive a coragem de permitir ao peito: sinta.

Sempre tive medo de muitas coisas. Tenho o medo de falar pros olhos, tenho medo de criar diálogos, tenho medo de me perder nas imagens. Mas nunca tive medo de sentir. Me permito sentir qualquer coisa, me permito toda visceral. E mesmo que chore por dias, encostada nos cantos, escondendo o rosto, eu não vou me arrepender por ter sentido.

O amor é a busca de cinco segundos. Não há melhor definição do que essa. O amor são os cinco segundos de montanha russa, aflição e desejo, a pele em chamas, a alma nos poros pra ser percebida, a pupila que dilata. Os cinco segundos em que você sente o mundo. E que, frágil, se esvai, quebrando. Amor é a vontade de se sentir assim, de novo. A busca incessante pelos cinco segundos primários, procurar no corpo de um, na alma de outro, ou do mesmo, o que te fez sentir desse jeito. Mesmo sabendo que não volta. E assim, ainda que indignados, amamos o outro pelo sentimento, pela lembrança do começo. Pelo momento quebradiço que não soubemos cuidar.

E se eu te dissesse que contigo não foram segundos? E se eu te dissesse que são cinco segundos diários, que fazem com que eu te ame? Amor é palavra forte. Amor é palavra. Não só. Grande parte é composta por convenções que você não larga. Eu sim. Porque nesse ponto, sempre fui mais livre. Nesse sentido, nunca tive medo de querer, de recolher cacos e juntá-los de novo. Não tenho as amarras do meu tempo, porque meu tempo é de não ter amarras.

E se eu te dissesse que não foram cinco segundos mas uma vida inteira? 1460 dias e os minutos roubados. Traços na parede, um dia a menos.

Parece que nesse tempo todo, construímos o espaço. Tudo levou a isso. A construção do espaço invisível, muro contínuo de fibras unidas. Eu quis construir um momento. Eu quis construir um algo que você tivesse vontade de zelar por ele, acalentar nos braços, abrir mão da vida pra viver daquilo. Só consegui construir a lacuna - e é isso que levo nos braços.

Queria agora a coragem que tenho ao sentir, pra rasgar todos os papéis, jogá-los ao fogo. Mas mesmo marcado, o papel fica. Mesmo desintegrado, ainda reconheço a letra. Reconheceria mesmo cega.

É preciso coragem pra sentir. E isso eu nunca consegui te ensinar. Por falta de jeito, meu trabalho sempre foi assim descuidado. Dentro, não mudei nada? Não causei nenhum incômodo? Eu sempre fui dessas que julgavam ser ervas-daninhas, ao menos nisso. Sempre jurei a mim mesma que iria marcar você, que iria machucar você pra ter o prazer de cuidar depois, o prazer de ferir pra curar com afago. O que vou deixar como lembrança? Um espaço real? Um espaço vago? Vento no corredor, vento entre muros. É isso, ou talvez seja até muito. Espaço é matéria. E eu sou?

É de se espantar o fato de querer atear-me fogo. É de se espantar o fato de eu querer escapar da história, adentrando nela. Mas posso reconhecer-me como símbolo e isso me dói. Os símbolos são internos, você não os vê, mas existem. É por pensar que mesmo eu sou parte disso tudo. Mesmo eu tenho marcas tuas. Mesmo eu sou você. O rosto que você já olhou, a pele da mão que você toca quase com medo, cada centímetro de tecido, cada milímetro de coração, cada pedacinho de célula já foi teu. E o que faço com isso?

Marcar feito tatuagem. Queria ser capaz de encher a boca de ar e dizer: Eu te amo! Queria encher a boca de ar e só falar amor. Exagerar no r, escancarar a boca, deixar a última letra perdida, voando feito balão.

A voz não foi feita pra outra coisa se não cantar. Não sei recitar poesia, não sei falar. A voz é instrumento pros que amam. Melosa, tenho meus próprios acordes. A voz de quem tem medo mas canta porque precisa. Baixinho, canta porque não tem outros meios de pedir comida – ou amor. E canta olhando nos olhos que é pra passar a mensagem. Junto com a voz de quem sabe e demonstra força e altivez, mesmo que não consiga – ou não se permita – sentir. Pássaro sábio, coragem de mundos, não demonstra fraqueza sequer por um segundo. Confiante e determinado, canta porque sabe (sabe?) onde quer chegar. E não fraqueja ao menos uma vez ao olhar nos olhos. Naquela hora sabia que não havia o barulho, o sol, as marcas. Era só o pio. Canto de quem aprendia a cantar. E quem foi que aprendeu?


...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Eu não sei andar por essas ruas mas desceria todas elas se pelo menos uma me desse a certeza tua.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Se por acaso olhamos para o alto é para os prédios que construímos insistentemente, como se quiséssemos tampar o céu. Edifícios que de nada valem para a construção de caráter. Quem tem o papel de construir pessoas?
Talvez por isso estejamos nessa fábrica maldita de almas

nada mais há pra ser dito ou pensado. Vomitar, saborear, engolir.

É preciso muita coragem pra se apontar uma arma à alguém mas não se pede tanto esforço ao se apertar o gatilho.
Vertigens que sinto, prenúncio da queda. Desejar-lhe boa noite, apertar a própria mão no escuro, abraçar a mim mesma.

Amor é relação de força entre os indivíduos. Sempre fui a fraca, deveria partir, deveria dizer, me limito a ficar.
O que você diz sobre o amor? O que eu mesma sei e professo? Não importa.

Já me perdi na trama, na trilha, no núcleo.

domingo, 24 de julho de 2011

E se não tivesse nome no modo como escrevo o amor? E se não tivesse nome, o poema? Se sentiria menos poema? Teria mais coragem? Seria mais sincero?

Um personagem implícito, arquétipo da tirania metamorfoseada. Atuação de 24 horas.

...E se não tivesse a mudança, ainda assim eu te teria?
Amor de gestos. Preciso ver as lacunas, preciso sentir o impossível. Observar as formas e os contornos. Meu peito é feito de sombra e perspectiva. Nos seus lábios morre sempre um sorriso de permissão. Silenciosamente me fazem promessas de felicidade. Diálogos imperceptíveis aos olhos humanos. Conversas que tecem fios visíveis ao coração nu. Despido de proteção, conceitos, palavras, conteúdos. Coração de forma, de vulto, de silêncio. Ideias são novelos: acha-se a ponta e desembaraça. Pensamento à deriva. A beleza do gesto - rodopios no espaço. Nos seus lábios morrem sempre as palavras, os meus atos, a minha coragem.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Não foram as coincidências, o número 6, Beethoven tocando, Anna Karenina debaixo do braço, o banco da praça. Desde o começo, não foram as coincidências que fizeram o interesse. A tirania tem todo o crédito. A tirania me deu o inviável. A tirania me tirou o que eu ainda tinha. Regime totalitário. Meu próprio Kitsch do coração.

domingo, 10 de julho de 2011

Sonho de galáxias e montes interplanetários. Poeiras nos olhos me fizeram ver o invisível. Nebulosas e buracos negros no lugar de um coração. As linhas da minha mão traçam caminhos. Mentalizar os pés de lótus faz com que eu esqueça de mim, e a viagem se torna mais do que corpórea. Mímese e partido. Estou pronta para des(aparecer). Mapas que dizem dos astros e montes da mão. É assim que eu me encontro.
Erguer as bandeiras, mostrar pra que eu vim. Cartazes e faixas em uma só voz. Interesses defendidos numa luta que não é só minha mas de todos. Non Dvcor Dvco. Nada mais é verdadeiro. Erguei suas bandeiras, levantai a voz, com convicção, sem abaixar a cabeça pra ninguém. Somos jograis, somos todos a cidade que respira. Cidade que me pertence, se modificando ao controle de minhas frases. Eu vou mostrar ao mundo, vou dizer o que quero, falar que sim, que eu posso ser o que quiser. É difícil calar nossas vozes, impossível conter nosso coro. As bandeiras vermelhas se agitam, os punhos já estão erguidos, a marcha está pronta para andar.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Ela tinha suas estruturas sólidas, bem definidas. Ele era leve, fluido, inconstante. Tereza desde sempre sentia o peso do mundo. A incomodava sua própria mente questionadora, a mania que tinha de arquitetar planos e falas, de não saber agir naturalmente, de parecer engolir o ar quando precisava de um diálogo com ele - sem achar as palavras e os gestos que se escondiam nela. Tereza queria descobrir o mundo, mas chorava por dias inteiros por saber impossível seus modos de compreendê-lo. Não se acostumava às inconstâncias. Queria pensar simples, não podia. Queria o abstrato, não o alcançava. Era tudo muito definido e imutável, o que a deixava aborrecida. Tinha lapsos constantes onde achava que compreendia o mundo, mesmo sem compreender ela própria. O peso nos seus ombros, entendia bem, só poderia ser retirado por ele.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Voilà mon Coeur. Um coração tristinho mas que ainda é capaz de bater. O ofereço de peito aberto. Talvez assim consiga algo que me satisfaça e faça com que o fado me deixe só. Hoje saí pra olhar nos olhos de alguém. Hoje saí pra olhar em meus próprios olhos. Não gosto dessa pausa que se dá na escrita, o fingir ver um horizonte quando na verdade se está a olhar pra dentro, e só pra dentro, de si mesmo afim de remexer lembranças atrás de epifanias. É uma sensação falsa, desconforto latente, demora a ir embora só pra não me lembrar de nada. Há dias em que até o chão parece me inspirar. Simples ruídos de passos, o som do salto alto fazendo um tac tac tac contínuo. Acho que hoje não é um deles.
O garoto ao meu lado no banco estava escrevendo, assim como eu. Com uma olhada furtiva, vi que tinha o triângulo das águas nas mãos. Uma dedicatória que tomava a contra-capa inteira e, se quisesse, o livro todo também. Como que para buscar as palavras dentro, ele olhava fora. Seu olhar ficava perdido, enxergando sem ver. Quase que sabia o que escreveria, em um típico surto de movimentos internos daqueles que ninguém conhece, a não ser outro escritor. Com Caio F. no colo, ele podia tudo. Visão de copos coloridos, brilhando no sol em cacos, papel crepom e cetim. Quem receberá a dedicatória? Por tudo o que podia acontecer, mas não acontece. ...Meus escritos só parecem dedicatórias para a saudade.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Peixinho dourado tenta dialogar mas já não lembra mais de nada. Peixinho dourado se sente desconfortável sem saber o motivo. Quer questionar o mundo mas não sabe o que é interrogação. Pergunta: Quem são vocês todos? Mas desconhece seu próprio corpo. Peixinho dourado desaprendeu a nadar. Mal sabe para quê servem suas brânquias: respira por instinto. Peixinho dourado se sente perdido. E sentir ele ainda consegue, mas sabe que não pode. Questiona e... 3,2,1. Esqueceu!
Arma fuga mas a contagem o engana. Peixinho dourado não sai do começo. Sua memória é seu erro, seus três segundos sem registro. Peixinho dourado deixou-se levar...

domingo, 19 de junho de 2011

Juntos separados somos nada

Que tua boca não me diz nada
Que tua boca sempre foi seca
mas teu corpo nunca me negou
teu corpo nunca negou nada

Pés
na minha direção
Mãos
que teimam em vir
encostar.

Quando eu acordo cedo, já logo abro as janelas
e canto pra que meu canto te embale
e passe o vidro embaçado
e passe o vidro, beijado
com o resto do batom vermelho
que me sobra nos lábios sem beijo.

Eu vou na ponta dos pés pra não fazer barulho
pra preservar a sensação de que no mundo todos dormem
e eu não quero acordá-los.

Em alguma outra cama, sob outros lençóis.
Que mãos te afagam?
Que sonhos tem pra me trazer
desfeitos na claridade?

Mal sabe você
que te desejo boa noite
todos os dias. E imagino que você sussurra meu nome, também.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Um dia em que nada parecia diferente, um dia das horas da manhã para ir ao diferente enquanto tenta esquecer o passado que não passou. O passado que marca a pele todos os dias, devagarinho pra causar mais dor. Todos os dias, o café sem açúcar para ter ânimo e aguentar as dores da alma, porque o corpo se apresenta saudável por fora. Nesse dia, no dia em que tudo parecia normal, a ligação palpável.
Estava de volta à casa, depois do dia cansativo, dia que ainda tentava se adaptar a ela, porque ela mesma não se adaptava a nada. Estava descalça, preparando-se para terminar uma tela ou um poema ou qualquer coisa dessas que ela gostava de fazer, enquanto esquentava o café e colocava na vitrola – um dos únicos objetos da casa nova e solitária – um disco gasto da Billie Holiday ou da Janis Joplin. Enquanto andava com aquele jeito de dançarina que possuía, sentiu o cheiro de cigarro que vinha do apartamento ao lado e, como todos os dias, amaldiçoou o vizinho. Acendendo cigarros na hora mais triste dos dias dos anos da vida, a hora em que repara que está sozinha onde tudo é novo e nada se adaptara a ela. O cheiro de cigarro lembrava os amores amanhecidos e contrariados.
E enquanto evocava uma lembrancinha qualquer, pronta para chorar no mesmo horário, ouviu toques do telefone celular – seu toque ainda era a canção que precisava ser esquecida. Correu para a bolsa, pensando que seria sua mãe ou suas amigas, pronta para desabafar como sempre, para chorar pelo telefone e pedir abraços e socorro. Mas a voz que veio depois do seu alô não era de sua mãe ou de nenhuma das amigas. A voz que veio ao dizer alô era a voz de quem lhe disse amor por muitas vezes. De súbito, sentiu ânsia, ao ouvir aquela voz que estava exatamente como lembrava. A mesma entoação, a mesma voz baixa que perguntava seu nome como tantas vezes tinha feito. É você? Dizia a voz e a cabeça girava girava e o coração e a disritmia frenética, a tontura, a mão no telefone enquanto a outra segurava o peito naquele gesto característico seu que denotava o medo de perder a respiração e o sentido de tudo, o jeito de tentar manter o coração dentro do corpo.

-Sou eu.
-Pelo jeito, não perdi seu telefone. Espero não ter te perdido.
-Você nunca me perdeu. Eu também tenho as minhas promessas, embora você não saiba delas.
-Mas eu sinto. E isso basta.
Se pudesse ver, ele estaria sorrindo. Ela estaria chorando. Sempre foram assim, antagônicos.
-Não sou de quebrar promessas, menina. Quero falar com você mesmo que seja em silêncio. Você mesma disse uma vez: as barreiras se foram, não voltarão mais. Quero tanto te ver...
-Preciso te contar das marcas que ganhei, das noites que passei no escuro a te buscar.
- Eu creio que, agora, posso pintar os seus olhos.
-E quem sabe, um dia, eu consiga pintar os seus. Mas você sempre foi o meu maior mistério, minha ruína. Teus retratos ficam sempre incompletos. Modigliani, modigliani.
-Quero tocar nas tuas mãos... Você nunca percebeu mas as mensagens de amor na tinta eram sempre tão claras... as mensagens de amor das tuas mãos, era isso que eu tentava manter pra mim e sentir enquanto apertava teu braço, te pedindo sem coragem: fica. Foi assim quando tuas frases eram então de puro desespero. Eu sempre via. Eu sempre sabia. Tuas mãos puras, precisando das minhas, pedindo por elas enquanto você recusava outros toques. Eu sabia que eram meus dedos que você esperava entre os seus. Eu tentava.
Quero tocar tuas mãos agora para não largar mais. Para que você possa escrever o nosso amor realizado e cada vez mais nosso. Para que eu possa tirar toda a súplica das palavras na tinta. Te modificar, pra ser minha.
-Você limpará minhas mãos de toda a dor que elas contém? Você me tem. Você me teve no momento em que teve a coragem de me olhar nos olhos e pedir licença. Me olhar nos olhos e pedir: quero conhecer sua alma, quero conhecer o que você é – quando outros nunca tentaram.
-Você já sabe onde me encontrar. Onde começa é onde termina. Mas vem, vem.

E o silêncio.

Quando desligou o telefone, chorava. Chorava porque o cheiro de cigarro ainda continuava no ar, porque, maldito, o vizinho a lembrou no momento certo. Porque as promessas não se perderam nem as palavras ditas foram em vão. As palavras não iam mais morrer. Seus textos, seus desenhos. Os nós. O ritmo da respiração. Era tudo sobre ela. Era tudo sobre ele. Dele.

Billie Holiday cantava im gonna love you like nobodys loved you. Era totalmente verdadeiro, verdadeiro e necessário. Ela cantava junto. Colocou o sapato e olhou para as mãos. As anotações que seriam trocadas. As anotações que seriam feitas por ele, para marcar o sempre. Ao trancar a casa, teve a certeza de que já não era a mesma e duvidara de quem fora antes. Ele pintaria os olhos, ele pintaria os olhos e as mãos dela. A falta. Porque o tempo, hoje, o tempo foi vencido.
Não saberia nem seu nome. Ele me falaria sobre o mundo, sobre projetos e a arquitetura de prédios, discutiríamos Caravaggio e Hermingway, ele me tomaria pelos braços quando nossas opiniões fossem discrepantes e seguraria minha mão quando estivesse na escuridão. Me acordaria com Os três mal amados - o amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. E saberia que esse amor era eu.
Coração seco
Aridez da alma
Secura de ideias
Sertão lírico.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Na Solidão, meu coração é único. Amarras e nós. Amarras em nós. Amor é jogar-se de um prédio esperando o baque com o solo, amor é farpa no dedo. O coração não é uma pipa - mas voa como se fosse. E se perde, também.
Fazia barulho enquanto andava, marcava cada passo com seus pés numa eterna dança, pisando firme. Só queria ser capaz de um mistério, pois trazia a vida e cada amor estampados no rosto. Pois trazia, principalmente, o amor estampado no rosto. Seus pés com sinos, seus pés com pequenas moedas, amuletos. Só para tentar ser um mistério que, talvez, até ele quisesse desvendar. Como se mostrasse por fora o valor que tinha e carregava dentro. Como se quisesse mostrar para quem fosse capaz de ver: ela era capaz de marcar o mundo.
Desafio o universo, incendeio o mundo de olhos fechados. As pessoas não percebem mas o coração bate. As pessoas não percebem mas há um movimento interno eterno das coisas que me cansa. Eu sou a Joana Real. E a culpa foi dele por ter se inclinado demais. Promessa de juventude, atriz, poeta. Possuindo o que eu era de peito aberto - quase como correr com vento.
Ligação física que toma o lugar da invisível. A alma é prisão para os que amam. A alma é o limite e não basta - nunca me bastou. Ligações palpáveis, sob o olhar da vigia. Presa no próprio corpo. Limites intransponíveis. Irreversível é o amor e o amor é a queda. Efêmero é o fim, esperando novos começos.

domingo, 17 de abril de 2011

Não há honra em se entregar
não há remédio que me faça esquecer.
Peito em chamas
Silêncio de palavras
redoma de vidro
Poeira na garganta não sai com água.
Bordados na pele
Azul de tinta
Sempre fui sem cor pra não marcar nada.
Vim com um interior sujo
e a pupila vazia
Mas precisava aparentar ter luz.
Nem sobre o corpo há dominio ou liberdade.
Perdida fui desde a epigênese
Perdida estou
não há remédio que me faça encontrar um caminho.
Não há pureza
nem honra
na entrega.
Não há o que me faça
parar de sentir
corroer.
Da janela nada vejo
mas é porque nada quero ver
sentimento é cegueira
coração de desgraça
Queria-o numa bandeja de prata.
A oferta.
Mas nem há tanta pureza no último ato
nem na inevitável queda.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Poema ao acaso

Preciso ver as mãos sujas, pelo menos uma necessidade de Agosto. Só porque sou só posso falar sobre ela, por que entendo a memória.
Sujar as mãos testando um sentido novo
e faço nosso o mundo
A alma, ah a ressurreição
Minha vida em pessoa deixou.
Grades.
Quase que eu chorei, porque sou só
Ele pintará os dias.
Quando eu queria o bastante, a solidão dos meus segredos.





~

(brincadeira com o "that can be my next tweet")

terça-feira, 5 de abril de 2011

Não que eu queira, não, mas acho que ando escondendo o que sou.
Um fim para um novo começo, mas você me escapou.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Coração na intempérie, perigo. Voo com asas de papel. Me entreguei sem sorte e sem arte à tempestade que me prendeu e afastou.
Rosa dos ventos que não me aponta o norte. Sempre fui dos inversos, a que escreve versos e que não os compartilha com ninguém. Minhas letras morrem no tecido.

Depois de mim, virá quem?

quarta-feira, 23 de março de 2011

As próprias imagens... inconsciente coletivo pra mim é individual, quase próprio. Assim que eu me sinto diferente de tudo. Incomodar como um cisco no olho, doer como bater o pé na quina. São meus métodos. Não sou nem nunca fui a natureza inteira. Me são podadas as folhas, me são retiradas as raízes. Meu trem sai amanhã às 7h. Você quer que eu fique? Eu sou só caule, sem flor. Sem o que fui ou serei. Já nem sei mais onde está o bilhete. Vem que hoje eu sonhei contigo e você me pediu pra ficar, mesmo eu sendo essa planta tão engraçada.
Se sou complexa, sou: A loucura é linda - está escrito no muro da avenida de casa e eu acredito. Lucidez é uma promessa vã e eu também nem quero. Gotas de suor, gotas de orvalho, choro. Complexos talvez sejam os outros. Complexa é a água. Eu sou o grão. O vento lambendo faces de gente anônima, Guarda chuva, céu bicolor. Sempre gostei de formar frases, sempre gostei de mãos sujas de tinta. Complexa é a água que fica colorida ou não. É simples, é simples, levar tudo embora.
Relações intrínsecas, indivisíveis. Não são meus cabelos, não é a cor deles, não sou eu como fruta madura caída no chão, esperando o recolher. Ou o apodrecer para florir de novo - mais limpa? Lá em casa eu sou o fruto que caiu. E as janelas abertas me iluminam.
Uns amigos, algumas páginas, o nada. Papéis gastos, cartazes e uma fachada. Que não é nada. Uns tantos abraços, uns tantos bilhetes, a vida parada. No nada.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Um copo quebrado
um copo quebrado espatifado no chão.
A sujeira pode ser limpada
o ferimento não.
Ferimento interno
não tem cura.
Agora que vivi dá pra imaginar
como se fosse você que estava lá.

Agora que vivi consigo recriar
consigo imaginar e arquitetar novas ações
e é sempre do teu lado
sempre no escuro
pra que não nos notem
como se aquilo nem estivesse acontecendo
acontece e morre no mesmo instante
sem marcas.
Nada.

Pra evitar olhares
estrangeiros e próprios
sempre escuro pra fingir que não é nada
quando é tudo
longe de todos
e de nós mesmos
do que somos
quando não vivemos.
Do que somos
no de fora do que é nosso
no de fora do que somos nós dois juntos
na vida separada
quando a vida conjunta é secreta.
Longe do que a gente conhece
dos valores que defende
e eu ignoro.
Da vida que você escolheu por prazer
e eu por obrigação.
Mas somos fomos juntos
estamos.
Sem nada
a não ser umas mãos
e dois corpos
e olhos
e essa coisa que não é palpável
mas quase vejo
essa coisa que não tem nome
mas quase sinto.
Que só se mostra se os olhos mundanos estiverem fechados
só se mostra longe do habitual
só se deixármos o que somos pra trás
o que defendemos
o que fingimos ser
pra viver
e acordar
pro
amor.
Pra nós dois.

Manter os olhos fixados
só assim passamos a ser um conjunto de olhos
artérias e veias
e sangue
sangue quente
e mãos e dedos
sincronizados.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Que horas são?
Como é que se diz amor
pelos poros?
Como é que anda?
Como é que passa pra você?
Quando?
Quem foi que disse que amor se diz?
Quem foi que disse amor pela primeira vez?
E quem dirá pela última?
Quem foi, pela primeira vez, o amor?
De alguém ou meu
O algo que falta?
Quem fez falta ao primeiro ser humano?
Como é que se chama saudade?

...

Como é que se medem as horas?
Como é que se mata o tempo?
Como é que se trai o amor?

Quem disse saudades pela primeira vez?
Quem a definiu?
Quem criou a palavra dita?
E a não dita?
Pra onde vão as palavras não ditas?
Onde se escondem quando não querem sair?
Onde se armazenam?
Como é que a gente as recupera?
Como é que a gente se recupera?
Se perdendo pra encontrar?

Por que o silêncio de dentro é insuportável?
Loucura é lucidez fluida
Lucidez translúcida
Qual é o cheiro de terra?
De onde vem?
Da loucura que flui?
Do poro da pele?
O que é essa coisa de dentro
que se repete no de fora?
Que é essa coisa pequena
e quase invisível?
O universo?
Sou eu?
O universo sou eu?
Não sou inteira
nem a metade
não sou contável
nem o universo.
Não sou notada
eu vim da terra da Terra
Meu cheiro é da terra
meu cheiro é de terra
É meu.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Não sei por que fui falar logo tua música. A primeira. Não sei, ele me perguntou uma música que havia me marcado e eu já estava decidida a não mentir. Ele me perguntou e foi a única que consegui lembrar. Na verdade, eu lembrava de várias, mas essa era a que eu queria falar. Essa foi a que me despertou pras outras, então não teria sentido falar das outras sem a que deu início. Eu já estava certa de que falaria mas nada aconteceria. Falei. Eu sei porque foi logo tua música.
Depois quando fui assistir às minhas verdades, enquanto todos chegavam, enquanto todos bebiam e falavam, enquanto tudo isso acontecia e girava e girava lá estava eu sentada, com a bolsa no colo como fico quando não me sinto confortável. E uma bagunça de notas me fez prestar atenção ao som, a desligar vozes e só prestar atenção na música. Uma troca de olhares com ele já confirmava o que antes era suspeita. A bagunça logo despertou em mim a certeza da tua música na sala. E ninguém entendia, era esse o propósito, ninguém sabia de quem tinha vindo, pode ser ao acaso, como pode não ser e continuaram na mesma, bebendo e bebendo e falando. E ninguém sabia de onde vinha a história, de onde vinha a música. Só eu e ele, o ouvinte. Só eu e ele, o que arquitetou e planejou tudo aquilo, o que se divertia com meus olhares ouvindo a música do outro, enquanto eu segurava o choro, as pernas inquietas e as unhas que machucam os joelhos e os braços de propósito, pra ver se a dor de fora consegue ser pior do que a de dentro. Por exatos 2 minutos e 55 segundos, o mundo compartilhou da minha história. Mesmo que esse mundo se resuma a um punhado de pessoas bebendo e falando sem se importar se a música era tua, ou não.
Recordar é morrer lentamente do próprio veneno. Destruir células e funções. Esquecer do vivendo pra viver do vivido. Faz sentido?

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Me prometeram a loucura antes dos 20. Eu só posso é esperar.
Quem sabe já não esteja acontecendo
e, então, enfim poderei me dar um título
real e respeitado, temido
como sempre quis.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Divagações (não tão) tolas sobre arte.

Arte hoje não é uma coisa que deve ser destruída para um recomeço. Todos são artistas, é uma coisa inata ao ser humano: a arte. Só nos esquecemos de deixar isso fluir, de treinar, e a capacidade acaba perdida no tempo, criando o pensamento tão em voga hoje de que artista e arte são coisas sublimes, em patamares superiores e que não são para qualquer um. Arte tem a ideia de complexidade, de intelectualidade e não é. Arte é das massas, qualquer um pode entendê-la.
O que penso é que damos muito valor às obras-primas, taxando-as de difíceis e inacessíveis. Achamos que tais obras não nos servem. Ao contrário: servem e muito, só precisamos aprender como enxergá-las. Não podemos visualizá-las como obras pertencentes ao passado e só, sem uso para o hoje. Devemos, ao contrário, ser capazes de transportar esta arte para o que vivemos. Treinar a habilidade de levar o conceito da arte para a pós-modernidade.

Ao ouvirmos o mito de Édipo, por exemplo, podemos pensar que é algo inútil, velho e desgastado pelo tempo – sem perceber que ele continua atualíssimo, basta que o transportemos para o atual. Basta que mudemos palavras, tempos, pessoas, culturas, hábitos. A essência, essa, continua intacta. A humanidade anda em círculos. O que muda são os gestos, o tempo. A ideia é sempre original. Se soubermos como levá-la para o cotidiano, para o que nos cerca, toda arte é do presente. O problema é que isso não nos ensinam. Não nos ensinam a ver a raíz, só enxergamos o topo, o supérfluo, só conseguimos sentir o cheiro de antigo, as palavras arcaicas.

Os problemas continuam sempre os mesmos, os amores, as dores. É nosso dever restaurar, ensinar, aplicar diariamente essa habilidade esquecida de transpor barreiras para que a arte continue sendo arte – para que, mesmo antiga, a arte continue nos fazendo sentir e – principalmente – pensar.

Precisamos parar com a noção que nos implantaram de que arte é para poucos, arte é para burguês, elitizados. O que podemos e devemos fazer é transportar a arte e modificá-la para uma fácil compreensão nossa, sem retirar-lhe o sentido, o núcleo.

A morte de qualquer arte se dá quando separam(os?) o artista do público. Quando o público se torna passivo, a arte tem seu fim - ela se isola para poucos, perde uma de suas funções: a de acordar e atingir o maior número de pessoas possível.

O que podemos inferir se formos passivos continuamente? O que podemos pensar ou deduzir se recebemos a explicação do criador, mastigada, entregue diretamente em nossas mãos, e esquecemos de criar a nossa própria explicação? Quando recebemos a opinião do criador, esquecemos da nossa, por achar que qualquer coisa que fuja do que ele pensou está errada, e tomamos como verdades absolutas o que nos é mostrado. Sendo que arte está longe de ser uma coisa de opinião única, uma arte de uma mão só, uma ida, um caminho. Arte é ramificada, obras de arte são veias que podem se encontrar ou não – e quanto mais se distanciam umas das outras, tanto melhor! Nos faz pensar, nos faz acreditar – finalmente- que não há uma só verdade. Por isso digo que devemos procurar sempre uma segunda, uma terceira, uma quarta opinião para que só assim possamos refletir realmente e tomarmos para nós mesmos o que achamos. Precisamos ser um pouco mais empiristas, lembrando sempre de jogar a própria opinião no meio de todo esse conjunto.

Parar de mimetismo – esconderijo, camuflagem – e tomar partido.
Paixão é narcisismo
olhar só pra si.
Ou só pro outro?
Não me fale de Aristófanes
de seus mitos
que eu já busquei
e busco mesmo achado
que só você me faz um.
E mesmo assim ando ao meio.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Meus olhos, meus olhos ainda esperam algo da vida.
Esperam a vida.
Ainda tenho olhos para esperar algo.
A vida?
Não sei.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Pensamentos são ideias mal feitas. Lucidez embriaga. Comprimidos na cartela. Ela inteira e o sono.

Se eu falo, vira concreto
Se eu falo, sai do ilusório e toma marcha. Quase acontece. Ilusão é vontade. Nunca me prendeu.

Eu vou. Pensei nisso e falei alto: engrenagens. Tomou rumo e saiu, aconteceu.

Palavras não voltam quando ditas. Sentimentos. Sem batimentos, sem amor. Mais vale um cigarro ou papel. Carícias de mãe.

Uma coisa pequena. Sem nome.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Agora eu lembro.

Nos meus dias ao lado dele, eu ficava pensando coisas como fica perto de mim, fica perto de mim porque não há ninguém aqui. Não há ninguém se não nós dois e só, nós dois e a distância que é curta mas parece de quilômetros, são só dois passos. Vem. Fica perto de mim porque eu preciso, porque eu me alimento de você.

Mas eu mal olho nos teus olhos. Algumas pessoas no meio da gente. Às vezes, nem isso. Às vezes a distância é só das palavras mesmo, do olhar. Porque gente mesmo, não tem. Às vezes é você perto, mas não perto o bastante, não perto do jeito que eu queria. E ficamos os dois a olharmos assim, sorrateiros, crianças. Jogo interminável. Você me olha, eu te olho, desviamos quando os olhares se encontram e começamos de novo e de novo e de novo. Ou eu só fico olhando o chão, o lá fora no movimento enquanto dentro continuamos sem nos mover... ou movendo-nos com os olhos ( o que não é movimento, no final. Movimentos internos não são visíveis e o invisivel não é palpável, não é evidente). E enquanto eu olho no lá fora ou no chão, você me olha impenetrável e inabalável. E me olha como se eu fosse o movimento, como se eu fosse a origem das coisas, a partida e chegada de cada uma delas. Algumas palavras soltas para quebrar o silêncio. Algumas respostas. E sempre sorrisos, sempre sorrisos que ocultam coisas e aquele um segundo de olhares meus dentro de olhares teus e aquele um segundo em que uma coisa me percorre e, talvez, percorra você também. Um segundo. E o silêncio. Não é ruim, o silêncio. Não. Eu fico mais atenta aos outros sentidos, aos outros comandos. Se pudesse, ou se tentasse muito, seria capaz de ouvir até tua respiração.

A distância sempre existe... e me corrói. Dois passos de distância, dois. Anda, anda... e eu também tento. Mas meus passos são miúdos e medrosos, de quem está aprendendo a andar, sabe? Avanço lenta e sempre sem te encarar, avanço com medo de qualquer coisa, da rejeição de teu calor, talvez. Mas você sempre permanece parado.

Depois, depois, quando você enfim fica ao meu lado que eu quase posso sentir e enfim posso te tocar eu penso te amo.
Mas isso eu penso desde o momento em que te vejo, até... até... mas não tem fim. Sem te ver, te penso.
Eu penso forte assim forte coisas como talvez se eu encostar meus dedos nos dele assim como acidente... talvez.. eu te amo, eu te amo eu acho que, pare de me olhar assim que eu tenho medo mas eu te amo e...

Então vou faceira, cuidadosa, analítica, minhas mãos no serviço atrapalhado e sem jeito rumo às suas. Te encosto sem olhar nos olhos, encosto em você por segundos e volto, tão de leve que mal sei se você sentiu. Às vezes é você quem vem. Sempre mais rápido e corajoso. Nem precisa de muito esforço ou cuidado, sabendo que somos pessoas. E isso basta.

Nessas horas, quando a distância já quase não existe, eu penso: eu te amo. Penso olhando nos teus olhos, enquanto falamos sobre qualquer outra coisa ou mesmo quando estamos no silêncio-que-não-é-ruim. Eu penso forte, decidida, inflexível. Eu te amo te amo eu te amo te eu amo eu.
Quero que você saiba que chorei
Madrugada adentro
madrugada afora
ao avesso.
Olhos inchados já são característicos
nasceram comigo
quiçá.
Manchas vermelhas pontinhos pequenos
que marcam meu rosto de tanto chorar.
Ando chorando todos os dias
com hora marcada.
Ando chorando pra ver se fico
de alma cara lavada.
E não vejo diferença.
Ando chorando pra ter sono
pra dormir de exaustão
Sem sonho algum.
Ando chorando com hora marcada.
Engraçado, sempre é hora de madrugada.
Ando chorando sempre que fico só.
E não tenho companhia para 24 horas.
Que eu receba uma notícia dele qualquer coisa dele só pra eu lembrar
parece dar tudo errado
e o tempo o destino o fado que nos quer separar
Tudo que não coincide
coisas que teimam em não cruzar
e não depende mais só de mim pra fazer tudo voltar
Os planos andam brincando comigo
e nada parece ajudar...
É sempre coisa no caminho
empecilho
e não dá pra tirar.
Você tenta você tenta eu também.
Ao pensar nas possibilidades
entro em desespero
arranco cabelo
esperneio
porque nada parece certo
Que rumor estranho e incerto
que humor que acaba comigo e dilacera
parece que te tive junto em outra era
e agora nunca mais as coisas voltam,
pois parecem outras
distantes
a dor de amor dor de amante
num mundo onde tudo é desigual injusto.
Vejo muros vejo muros sem passagem
quando foi a última vez
da viagem?
Quando foi a última vez que lembrei de mim?
Quero as horas quero a quase tarde quero o meio
o dia
quero coisa que nenhuma outra teria
se não fosse assim de se jogar
em qualquer coisa.
Mas já não vejo alegrias
separação coisa perdida.
Do que chamo essa coisa quebrada?
Só convém chamar de vida.
É assim que sinto
e eu só sei sentir
Quando estiver sozinho, escute. Ouça a voz que te canta. Sou eu. Você imagina que sim. Você sabe que sim. Eu sei que você sabe. Que você sempre soube. Agora é a última tentativa. Pelo menos, a última de uma forma direta.
Quando puder, escute. Nem que seja só um pouquinho, mas precisará de silêncio. É necessário para que se sinta, se quiser sentir e para que se entenda, se quiser me entender. Coloque a música baixinho, tome um café ou não faça nada. Enquanto ouve, feche os olhos, lembre de mim. Lembre de mim de um jeito bonito, pelo menos nessa hora, por favor. A voz que você ouve é minha. É tudo o que eu queria te dizer ou te cantar, mas não consigo.
Faça dessa a minha música, se pra você já não existem outras. Mas faça dessa a música que, onde quer que ouça, você evocará uma lembrança só nossa. Qualquer lembrança. Você lembrará do meu rosto ou de qualquer outra coisa minha. E só minha. É importante.
Eu sei que você consegue. Então imagine que, no momento em que estiver ouvindo, eu estarei na tua frente, te olhando com meus olhos de sempre, do meu jeito desesperado. Te cantando essa música com a voz que eu nunca soube que possuía, até que você me mostrou. Com a coragem que só tenho contigo. E a voz vai começando baixinha, quase com medo, mas aumenta e fica forte, e é impossível calá-la agora, ela continua forte cantando essa música. E eu estou na sua frente sem estar, você vê? Eu estou na tua frente, como sempre estive. Estou ao teu lado, te olhando espiã, te seguindo. Pra sempre. E o pra sempre é o pra sempre do tempo da canção.
Estou te cobrando respostas. Estou te cobrando, sim - Ou não. Deveria e faço sem certeza ; Certeza de muitas coisas eu nunca tive. Tudo às cegas ou talvez tudo claro demais para que eu consiga pensar. Mas te cobro respostas para as perguntas que te faço por outros meios ; Te cobro respostas aos meus textos ; Te cobro só um sim ou não ; Só um sim.
Continuo sempre
continuo porque a cabeça não para nunca
nem isso que chamo, erroneamente, de coração.
Continuo com meus versos
minhas frases desconexas
que fazem um sentido absurdo pra mim
e que levantam suspeitas em você
ou nem isso.
Continuo sem respostas
nem o ponto final
pode ver que mal o uso
pois não sei onde fica
o fim disso.

Por enquanto as coisas me levam
por enquanto só tem vírgula
porque cobro, ou melhor, exijo palavras
respostas
concretas
e não as tenho.

Você finge não saber ou tem medo do real?

Minhas palavras são vírgulas sem ponto final.
Coloquei um papel ao seu lado. Tímido, dobrado... escrito quase que sem querer
Coloquei um papel e fugi coloquei um papel e parti
coloquei um papel de adeus.

Um adeus típico de quem nunca disse adeus
um adeus de quem não sabe dizer adeus
de quem não sabe dizer.

“Esquecendo você – Tom Jobim.”
Quando posso descansar e não descanso por não ter.
Quando posso te falar e não sei
quando posso te olhar e não sei
E assim as coisas acabam
e recomeçam
e acabam
comigo junto
sem recomeço
Sem olhar
sem fala
sem nada
de nada
coisa entalada
nó de gravata
cadê que sai?

domingo, 13 de fevereiro de 2011

No último segundo do último encontro do último amor, entregou-lhe um papel. Pensou em cantar mas não achou voz onde sempre achava. Não havia o estímulo. Era cantar com medo e a voz mal saía. Queria cantar porque sabia que em algum lugar ela tinha a força. Mas onde? Não encontrou a voz no tempo certo e não havia nada que a encorajasse a cantar.

E como não achasse voz para nada, simplesmente mandou que escutasse a música assim que chegasse em casa, em um tom que nunca havia usado e soou estranho em seus ouvidos: o de mandar.

É preciso, é preciso que você escute, não diga nada agora, só me deixe falar. É preciso que você escute e entenda bem algo que acho que você sempre entendeu mas não sei se do meu jeito, do jeito que eu esperava ou imaginava. Escute na solidão e ouça a voz como se minha fosse – no fundo é e você saberá. Eu já não acho palavras e tomo as de outros, eu já não sei o que falo pra você mas sobre isso você estava certo. Você sempre esteve certo. Você sempre vai estar certo. É você, sempre.

Papel rasgado, retirado do que lhe era cotidiano. Letras garrafais em azul pediam: Onde você estiver não se esqueça de mim.

Ele ouviu?

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Procuro alguém pra me ajudar. Alguém que me escute sem julgamentos. Alguém que ouça do amor com paciência. Procuro alguém que me mostre os caminhos, trace novas rotas e planos que eu, fiel, seguirei só para tê-lo. Procuro. Procuro alguém que ouça sobre ele com demasiada atenção e que não se importe se, de repente, eu chorar por horas ou dias – mas seria melhor dizer noites- e depois durma, sem vontade de nada, vencida pelo cansaço. Procuro alguém que me mostre o verdadeiro tempo, que me encare de frente e me dê a esperança pra continuar amando-o, mesmo quando tudo parece me levar para a separação.

Mas já estão todos cansados, já estão todos de olhos fechados.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Quando vem a noite é sempre assim, tudo é sempre igual...
A noite é meu tormento
E tudo passa rápido, as horas, as horas, não são nada
Eu fico assim tão só andando sem rumo
enquanto os vizinhos acordam
e sempre há aqueles que fumam
e as luzes que acendem e apagam
e a fumaça do cigarro que vem
então eu lembro que você, oh, você também fuma...
Fico assim pensando na fumaça, no cheiro dela, eu nunca gostei de cheiro de cigarro eu penso eu acho que hoje, agora, até que gosto. É uma coisa assim que me vem enquanto eu escuto música, ou às vezes só o barulho dos carros. Mas quando é muito tarde não passa carro algum, nem pessoa alguma e a rua fica assim quietinha como um cemitério. Então tento ler alguma coisa, algum poema, coisa assim qualquer mas não consigo, tento rezar, vou à varanda, tento ver TV, procuro algum filme, mas nada adianta. Quando o coração está inquieto assim, o melhor a fazer é deixá-lo. O coração tem leis próprias.

Então me vem uma coisa, essa coisa que ataca o coração e passa por todas as células, me deixa inquieta assim como ele. E eu não paro de pensar, eu não paro, e é sempre à noite, sempre escuro, sempre quando vem o silêncio da casa, o silêncio do mundo inteiro e parece que só eu estou acordada, só eu, já que tudo parece apagado e só há a luz das ruas e postes, nas casas todos parecem dormir e eu ando, eu ando pela casa, eu inquieta, eu com passos que não fazem barulho e com a mente que não para. Não consigo me desligar. Vejo o relógio: quatro horas. Daqui a pouco todos acordam, todos, daqui a pouco, e eu ainda estou aqui a pensar em algo, mas acho que não pensei em nada... nada concreto. Eu penso penso penso e só me canso. Eu penso e só me causo dor. Só porque algo (não eu) teima dentro de mim em pensar em você. Em você e seu maldito cigarro que o vizinho faz questão de acender pra me lembrar. Em você e suas malditas músicas que, masoquista que sou, coloco pra tocar. Em você e tudo que tem de maldito e sagrado.
Tudo é uma tentativa de fazer com que você se apaixone por mim.

Me segura quando eu tentar ir embora
Só segura a minha mão assim, com teus olhos pedindo silêncio, segura minha mão assim devagar e me pede sem falar nada: fica.

Só vem assim de surpresa, encosta teus dedos nos meus, só fica assim comigo
Que nesse jogo eu sempre vou sair perdendo.
Já aceitei
Você me consome some com tudo que tenho
Já aceitei

Só aperta minha mão e me olha depois com olhar de culpado
Só aperta minha mão e me olha depois

e depois, depois acontece, depois o depois.

Fiz um juramento bobo que nem sei se é juramento.

Guardo minhas carícias pra quando quiseres. E não deixo que mais ninguém toque essas minhas mãos. Não permito que mais ninguém entre assim no fundo dos meus olhos e não me mostro- a verdadeira.

Desde que você teve a coragem de me encarar de frente
Desde que você teve a coragem de dizer eu quero
E a coragem dos toques
Me enche de mimo, carinhos

Quando as palavras minhas já não conseguem alcançar, busco em outros, busco em outras páginas, outras mãos, aquilo que tento e não escrevo, aquilo que quero e não desenho, aquilo que preciso e só sonho.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Eu não quero nada de nada
E embora não pareça
Sou o retrato do meu tempo
Por que fugiria disso
se sou tão os outros como os demais?
Essa não ação que nós temos
A vontade de fazer algo
Vem e vai
Tão transitório e irreal, mentiroso
Faço em pensamento
deixa pra mais tarde
que nem sei quando
um dia...


Eu sou uma mentira.


Pelo menos o vento ainda vem
pelo menos o vento
pelo menos.
Ele se refugia em símbolos
Foge de mim quando pressente o perigo
Mal sabe que eu nada faço
Mal sabe que eu nem ligo
Pra tantas coisas
Pra essas coisas assim
Eu só sinto.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Eu não sinto saudades de ninguém. Só sinto saudades do que fui. Mas acho que nem isso.
O que eu queria dizer mesmo é que eu não sinto saudades de você. Se eu falar muito vira verdade? Eu não sinto saudades de você eu não sinto saudades eu sinto muitas saudades...

Vou dizer para o espelho com a cara e a coragem. Vou dizer para o espelho com toda a delicadeza, como se você estivesse realmente escutando: eu não sinto mais saudades. Não sinto falta desses teus olhos – e já que estou dizendo, nunca gostei deles. Os acho por demais observadores e até por demais pequenos. Não sinto falta do som do teu riso - posso até dizer que ele me incomoda. E o que dizer dos teus lábios? Por que raios eles estão sempre tão vermelhos? Até tua cor me irrita. Sempre tão saudável e tão certo. Não sinto falta desse teu andar silencioso, teus passos de quem já não espera nada – logo pra mim, que espero tudo. Odeio esse seu caminhar lento. Odeio teus discos não suporto teus livros e nunca gostei das tuas carícias. É tudo tão insuportável e mentiroso que nem sei como consegui segurar isso por tanto tempo, mentir assim por um período tão longo. Quero mesmo é falar assim que eu também só te enganei e rir da tua cara e te abandonar sem me deixar abalar pelos teus dons e teus olhos de bandido. Quero é arranhar teu rosto, te cuspir na cara, te deixar pra baixo.




...Queria era dizer com convicção. Queria era conseguir te convencer de que é verdade. E me convencer disso também.
Quero chorar tanto e te amar tanto e deixar que caiam tantas lágrimas que tua foto não vai passar de um borrão verde. Quero estragar teu rosto, arranhar tua pele, quebrar discos, rasgar livros. Estragar tudo o que é seu. Inclusive eu.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Se dependesse de uma ação minha,
uma coisa própria
Eu não seria faria diria nada.
Só ficaria assim quietinha
e passaria despercebida
como deveria ser.
Mas faço sou digo pelos outros
Para aqueles que me veem como algo.
E que tenho medo de que mudem.
É simples
Eu sou o que acho que querem que eu seja
E se me esforço é só pra não cair no esquecimento
E me manter como a imagem ideal que criaram pra mim
sem saber que da imagem não tenho nada.
Eu só quero é um silêncio e a não vontade
A não ação não fala não nada
E ficar medíocre como sempre fui.