quarta-feira, 17 de julho de 2013

De avental manchado de tinta me sinto orgulhosa. Mentira. Me sinto um fracasso. Verdade. Eu lembro que tenho marcas horríveis nas costas. Diria que foram causadas por mim mesma. Não foram. As unhas foram mero instrumento de um plano maior, mais antigo talvez que o próprio mundo.
Meus cabelos estão sujos, minhas mãos - manchadas com carvão que usei para escrever- sujas, também, de tudo o que já tocou em mim.
Sangue, decepção, dor e sal - sal, como mar morto construído por lágrimas e suor. Não consigo pensar em nada que não seja farsa. Palavras como amor sexo saudade sonho jorram com rapidez absurda pelos dedos numa verborragia falha.
Só é conceito. E já estava assim, antes mesmo que eu e você existíssemos.
Tudo fodido.
Se pudesse lamber as faces de toda essa gente, toda palavra, todo sentimento, tudo teria o mesmo sabor: vazio.
Precisamos criar símbolos mesmo para o que julgamos inexistente.



Ilusório, teatral.
Comecei já a lamber peles e poros. O primeiro gosto foi o meu - como boa exemplar de minha espécie considero que tudo começa e termina em mim.
Os dedos, o céu da boca, os cabelos (esses, sujos), as pernas machucadas, o sexo, os músculos, os ossos. O mesmo gosto. Vazio.
Por isso não me importa - e é bem nítido agora, como verdade que sempre foi presente e no fundo se sabe mas se revira os olhos para não ver - se lavo o cabelo, se paro de cortar as unhas, se deixo pelos e suores que me são naturais mas me ensinaram a agir como se não. Porque cada célula, glândula, secreção, cravo, todas as mentiras que tomo em drágeas prometendo me curar de laudos e laudos que julgam minha cabeça errada, tudo isso é nada.
Vem como tapa a resolução de que essas cápsulas da felicidade, libido, capazes de corrigir até a mais fodida ligação do cérebro, consertar o que você era (E o que eu era, doutor?), fazer voltar essa alegria-de-viver, a vontade de levantar da cama e ver que-dia-bonito-faz-lá-fora, de mudar de vida, fixar nos neurônios esse pensamento de que vale a pena continuar vivendo porque tem-tanta-coisa-bonita-pra-se-ver...
Isso tudo - e que me desculpem os tantos psicólogos e psiquiatras e amigos que me dizem o contrário - também, é nada.

Não sou eu que mudo de vida. Ela que parece se mudar de mim.
Sou pele morta. Sou ecdise. A casca seca que fica.
O membro mais fraco do grupo é sempre deixado para trás. O acaso não é, se não, a falta de acontecimento.

A-caso.

E mesmo sabendo tudo isso, percebendo com feição de horror que tudo é não pertencente a tudo e nada, o que se pode fazer se não continuar pertencendo e existindo na ordem das coisas que não existem e que, por isso mesmo, são deixadas para trás?

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