sábado, 19 de setembro de 2009

Cafés e Sábados de Manhã

Hoje te liguei, não sei como. Ouvi sua voz, que vinha de tão longe, mas parecia estar aqui, do meu lado, falando baixinho só pra eu ouvir...

Sei lá, estava precisando falar com alguém. Essa solidão anda me devorando por inteira, você sabe.
Não. Não. Você não sabe.

Você não sabe que passo dias assim, sozinha. Acordo e permaneço o dia inteiro sentada. O jornal sobre a mesa e do lado, a xícara de café que eu faço, mas o deixo ali em repouso, ambos intactos. O cheiro de café invade a casa inteira, nas manhãs de sábado. Não demora muito para ele esfriar. A fumaça que saía da xícara já não sai mais. Então acendo um cigarro e fico olhando pela janela, pensando que veria você, como nos dias que saía para o trabalho, depois de ter tomado o café. Ainda não perdi essa mania, talvez porque eu ainda espere que um dia você passe pela mesma janela, dessa vez não para sair, mas para voltar pra mim.
E eu correria para a porta, de braços abertos – pois sempre fui assim tola e dessas que perdoam qualquer coisa.
E, se naquele sábado você foi embora e não voltou, nesse - você estaria de volta. Viria ao encontro dos meus braços. Com promessas de não sair deles nunca mais. Iria me beijar como louco, beijos de saudade, de dor. E eu apertaria suas mãos com força. Naquele sábado as apertei numa esperança vã de que você ficasse. Nesse, apertaria com a certeza de que não as soltaria nunca mais.

Hoje te liguei. Sem esperanças, sem desejos, sem nada. Minto, eu tinha algo sim. Tinha a vontade de falar com alguém. Mas não podia ser qualquer um. Na verdade, disquei seu número sem perceber. Deveria ter desligado assim que você disse “Alô?” e percebi que era sua voz – que permaneceu intacta mesmo depois desses dois anos. Mas não consegui. “Alô? Quem fala?” você repetia, com seu tom de voz que normalmente indicava que estava nervoso.

-Sou eu. A Lô... - e ouve aquele silêncio. -Olha, na verdade nem sei porque liguei, foi meio automático, sabe, fui discar um número e quando dei por mim, percebi que havia discado o seu... olha, não vou mais tomar teu tempo que deve ter coisas mais importantes a fazer... então...
-Não, Lô, sabe que eu estava realmente pensando em você esses dias? É que... ah, nada. Mas conta, como vão as coisas ai?
-Normais, tudo bem, eu acho.
-Ah, sei....

E um daqueles silêncios. Queria falar mas não sabia. Aliás, o que diria? “Olha, eu ainda te amo, olha, eu nunca te esqueci. Eu perdoo, também errei. Vamos recomeçar, sim? Pois eu não aguento mais isso. Dois anos de tristeza, dois anos... dois anos...”

-Eu estou atrapalhando, né? Acho que é melhor desligar...
-Não, Lô, não. Eu não estava fazendo nada. Ia ler meu jornal, mas isso pode ficar pra mais tarde.
E de súbito olhei aquele jornal na mesa. O jornal que ele folheava com todo o cuidado e que - era sempre assim - depois de ler, o deixava em cima da mesa e vinha me dar um beijo, nas manhãs de sábado.
-Hm, entendo. E como você está?
-Vou indo, sabe, me envolvi com uma pessoa... ela é uma boa pessoa, a conheci no trabalho. Até que estamos bem. E você, não conheceu ninguém?
-Conheci algumas pessoas... nada demais...
-Tá ouvindo música, é? Essa aí, não é aquela que tocou quando a gente se conheceu?
-Ah, é essa sim. Tinha colocado o disco pra ouvir, assim que acordei. Acho que foi por isso que disquei seu número... deve ser por causa da música. Tinha até me esquecido.
-É bom né.
-O que?
-Sei lá. Lembrar do passado, assim. É como se estivéssemos vivendo tudo aquilo de novo. Sentindo as mesmas coisas. É bom as vezes, lembrar das coisas...
-É, eu acho que sim...

e outro silêncio. Acendi um cigarro, enquanto passava os olhos pela casa. Precisava lembrar de cuidar das rosas...

-Lô? Ainda está ai?
-Sim, estou ouvindo...
-Ah...
-Sinto sua falta aqui...
-Oi? Lô, o que você disse?
-Nada, nada importante. Era só uma coisa que eu pensei agora mas não tem importância...
-Ah sim. Olha Lô, preciso desligar. Você entende, né? Olha, liga mais vezes, sim? A gente conversa mais...

Mesmo sabendo que não tínhamos nada pra conversar.

-É que eu queria falar...
-O quê?
-Hum, deixa pra lá. Desculpa ligar assim, tá. Vai lá, não vou mais atrapalhar, eu juro.
-Lô, aconteceu alguma coisa? Sua voz tá estranha. Eu te conheço, Lô, fala logo.
-Nada, eu juro, tá tudo normal aqui. É que Sábados me deixam meio assim mesmo... - e ele tinha entendido. Sábados. Os dias mais tristes. Ainda mais nas manhãs. Quando eu acordava sem a companhia dele. E preparava cafés para ninguém. E deixava o jornal na mesa, para o vazio.

Deu uma respirada, profunda, melancólica. E eu apagava o cigarro.

-Bom, fique bem, tá Lô... Se cuida.
-Você também...Tchau.

Desligou o telefone primeiro. Fiquei ainda um tempo com o telefone em mãos, até ter a coragem para colocá-lo no gancho. O sol lá fora estava alto, intenso. Decidi fazer outro café, enquanto acendia um novo cigarro, naquela manhã de sábado.

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