quinta-feira, 17 de setembro de 2009

"Não Solta da minha mão..."

Como se atravessa um abismo? Sem forças, sem vontade, sem nada?

Essa é a típica coisa que não se confirma nunca: que suas forças acabaram. Que, na verdade, você não tem mais nada. Mesmo sabendo que é verdade: sempre foge.

Ela pregou na parede um retrato seu e guardou com carinho as suas cartas. Era inocente, coitada. Se aproveitavam dela... Mas era de um coração puro e bom. Quando amava, se entregava completamente e se aproveitavam disso para tirar todas suas forças e deixá-la aos pedaços.

Ela não se queixava, ia se queixar pra quem? Sempre foi sozinha.

Nesses dias, sem os seus pedaços do coração, queria mesmo era poder voar e gritar lá do alto. Voando, pensava ela, seus pedaços iam se regenerar.

E tirava o retrato da parede mas colocava de volta minutos depois.

Criava recordações que não existiam e sonhava. Mas sonhava tão frequentemente com as mesmas coisas que começou a achar que seus sonhos eram reais.

Eram coloridos, incandescentes, em neon. Explosão de cores que ela nem conhecia – mas estavam todas lá.

Procurou abrigo neles, então. Nos braços das pessoas sem rosto que estavam com ela todas as noites. Sem face, sem corpo. Eram simplesmente massa, uma forma, mas tinham braços. E os braços eram quentes e bons, braços de alguém que ela nunca teve ou que teve e a abandonou.

Era até melhor que não tivessem um rosto ou que não falassem nada. Assim, poderia imaginar livremente e nunca se decepcionaria. Não ouviria palavras falsas, promessas que seriam quebradas. Bastava os braços ao seu redor, bastava o calor que eles tinham, bastava saber que tinha alguém ali com ela. Bastava.

E acreditava tanto nos seus vultos que começou a vê-los não somente em sonhos. Andando nas ruas, os via no meio das outras pessoas, parados, massa cinzenta e disforme – com os braços que ela reconhecia dos sonhos.

Viu aquele que vinha toda noite, aquele que a abraçava sempre e que não a largava. Para ela, aquele era o mais querido. Como sabia que era ele? Simplesmente sentiu. Mas o vulto querido não a quis abraçar e fugiu. Ela foi atrás, correu, sem ar. Chegou ao topo de um prédio. Sol forte, lá embaixo: o movimento incessante de todo o tipo de pessoas e carros e cores. Viu o vulto ali, estendendo os braços, a esperando para o abraço. Foi até a beira. Mais um passo e cairia. Olhou pra baixo, a cidade toda se movia como numa dança, num movimento eterno. Entendeu que era a sua chance de voar. De recuperar seus pedaços de coração perdidos.

“Não solta da minha mão...”

Sentia o calor do vulto a envolvendo. E de repente, seus pés não mais tocavam o chão.

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