quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Perdi os detalhes do rosto dele. Mas vou vê-lo. Talvez por isso não saiba se devo escrever para lembrar ou deixar que as mãos, essas minhas feitas de desgaste, se recordem com o toque vagaroso do corpo. De qualquer modo, eu gosto de observá-lo e extrair dele o que posso com lentidão de aprendiz. Absorvo, amante, com o máximo cuidado. Os cabelos são brancos, pretos, cinzas. Os traços finos e frágeis. Olhos de pele úmida, brilhante. Uma doçura infantil que ele teima em esconder e eu em mostrar. Todo ele é feito pra parecer etéreo.
O mínimo ranger dos pés no assoalho já me deixa de joelhos. A chave passando pela fechadura da porta. O som, o som que representa sexo, que me faz alvo fácil, de portas trancadas. Ele vem. Não guardo as coisas de outro modo se não pela sensação que elas me passam. As mãos dele na porta ou a ordem que ele me dá para passar a chave, já faz meu corpo alerta. As pontas dos dedos se transformam em toda pele, sensorial e primitiva. Não preciso de olhos. Enxergo com minhas mil pupilas, em cada toque - ainda que gentil - das suas ou minhas mãos. Não há se não o compartilhar, o ceder. A santa ceia em meio a lençóis desarrumados. O meu corpo, o meu sangue. O seu corpo, o seu sangue. Vem, tomai, comei.

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