terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O grande mistério da roda

Você conhece? Claro que conhece, você conhece tudo. Me conhece mais do que eu mesma. E não é assim com as outras pessoas e objetos? É sim, você sabe muito bem. Não adianta negar, não agora, você sabe de todos os meus segredos e os segredos de todos os outros. Você está nessa a mais tempo que eu, está girando nisso a mais tempo. Me diga, então, qual é o sentido de tudo isso? Para que – ou por quem – acordo e me dou conta de que estou viva? Eu estou girando junto contigo, sim, não quero me separar de você numa hora dessas, mas não entendo a razão disso. Por que estou aqui girando também, como todos os outros? É uma coisa muito maluca, sabe. Me explica de uma vez por todas, mesmo que doa – e eu sei que vai doer. Arranca logo esse fiapo encravado, diz de uma vez o grande mistério. Eu preciso saber disso e só você conhece o segredo. Você sabe de tudo. Você entende. Se eu souber também, irei compreender melhor porque todos nós rodamos nisso, qual o sentido, a lógica por trás. Mas temo. Talvez esteja indo longe demais. Querendo mais do que posso ter. Mas você me conhece, você sabe que sou assim. Tenho medo de saber mais do que posso, seria uma carga muito grande e eu não aguentaria. O grande mistério. Não pode ser compartilhado com qualquer um: é o maior segredo, o começo de tudo. Provavelmente eu ficaria louca. Espalharia-o por aí, a razão da grande roda revelada para todos. Ninguém acreditaria. Eu acabaria, enfim, solitária, abandonada, com o segredo-que-tentei-revelar-mas-ninguém-ouviu. Você ainda iria compreender, claro, você compreende tudo. E os outros continuariam girando na roda. Mas o peso desse segredo é grande. Eu preciso compreender, eu quero compreender porque todos nós giramos nisso, assim, nesse movimento imutável. Deve ter algo grandioso por trás desse movimento louco. Algo... Sagrado? Sim, eu creio que sim. Eu acho que o grande segredo é forte demais. É melhor para nós, os rodantes, não sabermos. Se não, quem sabe, a roda perderia a graça e ninguém iria mais querer rodar. Afinal, tudo estaria revelado, exposto. Nós, os rodantes, precisamos ter algo para acreditar, algum mistério, você sabe. Algo que nos faça querer rodar ainda mais, descobrir os mecanismos, fazer teorias malucas. Algo dentro de mim diz que precisamos manter essa roda funcionando, assim, girando nesse ritmo para sempre. A roda não pode parar. Vou continuar rodando até quando conseguir, até quando tiver alguma coisa que valha a pena, alguma coisa que realmente me faça querer rodar. Mas temo. Eu temo. E você entende.

Um comentário:

  1. A (falsa?) liberdade de um hamster em sua rodinha metálica?

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