segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O silêncio criado na mesa servia pra deixar-me poesia. O silêncio é uma forma de amor, eu pensava. De fato, o silêncio é uma das formas mais puras do amor. Não podia fazer nenhum barulho. Treinava para que minha respiração conciliasse com a dele, o peito no mesmo ritmo, no mesmo movimento para que talvez ele pensasse que até nisso éramos parecidos.
E não era permitido ao amor a respiração ávida e penosa que eu sempre tinha, aqueles suspiros ruidosos que, desde nova, aprendi erroneamente como sintomas de amor.
E não fazia nada que pudesse ser brusco, com medo de assustar o momento e fazê-lo sumir. Cada movimento das mãos sobre o guardanapo, cada ajuste no cabelo, cada movimento de cílios ou da língua pra umedecer os lábios era com uma calma que não possuía. O outro par de olhos, a outra boca à espreita, na minha frente, deveria adivinhar os meus gestos, sem gerar surpresa, como se fosse assim pra vida inteira. O amor, descobri tarde demais, o amor é reconhecer os gestos. O amor é a união dos passos lentos por baixo da mesa, os pés em sincronia como na dança, as mãos com leveza que se movem. Sem expectativas penosas, sem sobressaltos. É reconhecer a sombra, o recorte do corpo do outro. Agora movem-se as mãos com carinho. Agora ele deposita a palma da mão aberta na mesa e eu penso assim: que bonito que é o espaço criado entre os dedos. Que bonito que é o modo como uma mão foi feita pra encaixar perfeitamente na outra. É isso que se espera da mão, nada mais – que se encaixe em outra.

E a minha mão vai de encontro à dele, como ele anseia que aconteça. E é o momento em que levanto o olhar para os dele e ele já sabe e espera sem ansiedade, só com a paciência de quem sabe o que vai acontecer – porque uma das formas de amor é a espera do que se sabe certeiro.

Fico pensando em diálogos dos filmes de Godard, me vem à cabeça aquelas frases todas de livros que devorei com vontade pra que chegasse o momento em que as diria pros olhos dele. O momento veio, não fiz. O amor não precisa de diálogo - como uma sabedoria milenar. Diferente de nós humanos táteis, necessitando de palavras para preencher lacunas, com atropelo.
Ele ainda me olha. Talvez também pense em todas essas coisas. Talvez pense em Garcia Márquez, que tanto lemos devoramos e quase ficamos míopes com os livros debaixo de uma luz fraquinha, pra não acordar os outros habitantes da cama, da casa, da cidade.
Porque ele, assim como eu, decorava e transformava os personagens, caindo em deleite e riso frouxo ao imaginarmos como eles.

Penso em tudo isso enquanto estamos na mesa. Coloco o cabelo pra trás da orelha, ele já esperava o meu gesto. Sem surpresa, sorri. Retribuo. Agora, ele vai apertar os olhos tão pequenos e acariciar a mão que continua unida na sua, com suas unhas em formato de leque – um pouco roídas. Pedimos café: o de sempre? O de sempre, respondo.

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