quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Comprava livros escondida. Escolhia os amarelados, puídos, com grandes escritos feitos com caneta. Escolhia seus livros de arte, de política e lia-os com avidez diante de uma lamparina fraca, temendo algo que a estragasse os olhos. Lia-os para integrar-se em outro mundo. Andava com eles debaixo do braço na esperança de que alguém a visse e sentisse orgulho da moça que ela era. Seus livros de Garcilaso, de arte contemporânea, de Sartre e Camus – pretendia entender a existência de todas as coisas mas, principalmente, dela própria. E no seu quarto largava-se ao chão assim que se encontrava sozinha. Era no tapete que saboreava cada figura dos livros, cada quadro apresentado com aqueles olhos gigantes que a fitavam das páginas velhas. E surpreendia-se com os olhos-amêndoa de Modigliani, sem pupilas ou nada que os denunciassem – somente o vazio ocular. Gostava da decadência de Schiele, do colorido de Renoir, do dourado-que-lhe-doía-nos-olhos de Gustav Klimt. Absorvia cada palavra nova- principalmente as mais fáceis que possuíam complicados significados como saudade, ou as gigantescas e complexas que tinham um significado um tanto simples como Serendipidade – o puro acaso, a coincidência. Anotava-as no caderno que carregava como se aquilo fosse valer pra sua vida. E as olhava com frequência, tentando absorver delas aquilo que outros absorveriam da vivência. Pudesse, rabiscava o corpo inteiro com tudo o que a constitui. Pudesse, seria um punhado de frases e desenhos e bordados. A mãe sempre com pé atrás ao deixá-la sozinha. Dizia da sua tendência natural às coisas tristes, ao abandonar-se no ócio dos movimentos – as ideias, não. Nunca paravam. - ao deixar-se sem alimento por dias pra sentir-se limpa de tudo. Tinha sempre companhia, não a deixavam. Quando sozinha, temiam um salto pela janela, um ferimento feito de propósito, um choro desmedido enquanto se desvencilhava de si própria, lutando contra o próprio corpo e batendo contra as paredes. Não podia. Ninguém sabia o que passava no dentro dela. Achava-se nova e cheia de uma vontade de mudar. A frustrava o fato de não conseguir nem a mudança em si própria nem nos outros. A frustrava o sentimento perdido ou mal aproveitado, o amor ruim, os acidentes. A frustrava seu conjunto de frases, seu mal jeito na própria expressão. Quando sozinha, queria mesmo era manter o silêncio mas achava impossível e pensava-se a ponto de enlouquecer e, como pensavam, pular pela janela. Bem às vezes lhe vinha a ideia de compreensão do universo e isso a deixava inquieta, como que com vontade de alertar os demais e escrevia. Escrevia, desenhava como louca, pintava paredes e mãos e dedos com frases e rostos sem forma e corações puros. Mas não a entendiam. Nem ela mesma. E se fechava com os livros na vontade de se fechar com pessoas. E criava seu mundo à parte na vontade de se integrar ao real.

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