domingo, 19 de julho de 2009

Mente.

Tenho essa necessidade de me agarrar ao passado, não deixar ele ser esquecido e arquivado em minha mente. Eu não quero que meu passado seja arquivado e com o tempo, esquecido. Queria poder permanecer lembrando, sempre que quiser, com todos os detalhes e as cores e os sentidos. Acho que até as lembranças ruins! Pensando nelas, tenho força para não desistir, não cometer os mesmos erros e acho que crescer. As lembranças que mais gosto ficariam sempre na superfície, para eu lembrar quando quisesse e sentir a mesma coisa que senti na hora e sorrir, levantando a curiosidade dos outros ao ver aquela felicidade repentina surgir em meu rosto.

Por que esquecemos das coisas? Por que as pessoas querem tanto bloquear o acesso às memórias e dizem que viverão só no presente? Não é bom trazer a tona as lembranças – de qualquer natureza – e tornar a viver aquele momento?

Pena que não sou capaz de lembrar de tudo. Na verdade, não lembro de muitas coisas, nem os detalhes, nem nada. Até as coisas que são especiais e únicas: eu esqueço.

Não sei se é algum problema em mim, algum bloqueio que faço sem perceber - e querer!

Mas gostaria de ser capaz de me lembrar de tudo com nitidez. Lembrar os mínimos detalhes, lembrar das faces e dos nomes, do cheiro e do sabor, da sensação. Seria bom e acho que seria ruim.

Cogito a possibilidade de ficar presa nas lembranças e esquecer de viver o presente, com medo de que esse não seja tão bom como as memórias que vejo com a riqueza de informação. E ficaria pra sempre presa na minha própria mente, sem escapatória, vendo e revendo os milhares de arquivos de minha vida, desde a época da infância até agora. E iria saber minha própria história de cor, todas as falas e movimentos, os sorrisos e os prantos, as decepções e os amores. Não iria deixar passar nada, nem um movimento sequer. Detalhes, esses, que sinto falta. Quando quero lembrar de algo, não consigo lembrar-me de tudo, e em alguns casos não lembro de quase nada. Fica aquela lacuna, aquele sentimento de coisa ausente, coisa que faz falta e não poderá ser recuperada jamais, por não saber exatamente onde procurá-la. Em algum lugar elas devem estar. Ou talvez não, talvez elas foram apagadas, expulsas de mim, sem minha autorização. Minha mente adora me pregar peças!

As vezes, vejo memórias que não foram minhas, sinto sensações que não senti. E acho que são reais, mas não são! Resta sempre a dúvida. Já não sei mais o que vivi ou o que foi mentira. As imagens passam pelos meus olhos, rápidas e tão reais que ninguém iria duvidar. Nem mesmo eu.

O que mais dói é saber que aqueles dias que guardo escritos com todo o carinho do mundo, não poderão ser lembrados como queria. Só me resta a vaga lembrança, a ideia do dia. O dia mesmo já foi, já passou, e não poderá ser lembrado exatamente. Ficarão somente os rabiscos mal escritos no caderno e a vaga lembrança do sentimento e pensamento da hora com a letra feita de qualquer jeito, de nervoso e ansiedade.

Mas de que me servem as lembranças que me restam se, quando consigo lembrar, na verdade não lembro de nada?
Fica só aquela ideia fria e sem vida. Não sou eu ali. Não. Não sou. É uma estátua, fria, inerte e morta.

Não quero esquecer, não quero e não posso. Sinto que eu vivo das lembranças, do passado. Eu me agarro a ele com todas as forças, me nutro dele. Acho que é o que me faz ir em frente: o passado. E é o que me faz querer parar e ficar assim pra sempre, lembrando. Por saber que certas coisas não acontecerão novamente, nunca mais.

Eu sei que algumas coisas não serão como as do passado. Nessas, queria me agarrar e não soltar jamais. As falas que não serão mais ditas. Por medo, vergonha ou qualquer que for o motivo. As separações que poderiam ter sido evitadas, as que não poderiam... Eu poderia para sempre lembrar das pessoas antes de me separar delas. Mas não consigo.

E não acho que isso seja bom. Eu quero poder reviver os momentos felizes que tive e que são tão difíceis de acontecer!

Os momentos onde me senti amada e pude amar. Os momentos em que pude rir sem medo e chorar também. Onde não tive de me preocupar com nada e onde tive preocupações que quase me deixaram louca. Onde pude trocar palavras doces com quem achei que nunca trocaria. Onde ouvi da boca de quem gostaria as mais lindas palavras: tão simples e mesmo assim tão complicadas e cheias de um significado. E de outros significados ocultos. Onde conheci quem gostaria e arquitetei planos bobos que nunca se realizaram.

Aqueles dias onde passava algum tempo com os amigos e até mesmo sozinha. Não lembrarei de nada!

É cruel, doloroso... Ver minhas memórias todas espalhadas por ai. Saber que só o que resta são as anotações que são rascunhos. São linhas duras que nada revelam. Não são nada. Não descrevem nada, não me fazem sentir nada. São apenas palavras jogadas de modo a formar frases. Frases que remetem a algum momento de minha vida, mas são superficiais demais.

E não lembrarei de mais nada. Um passado inteiro esquecido, jogado para o nada. Um passado que vivi e nem pareço ter vivido. Passado sem lembranças, passado que parece não ter passado. Um passado novo? Pois parece.

Alguns diriam que essa é a chance perfeita para deixar tudo pra trás e começar de novo, do nada. Não consigo. Eu sou o que vivi, eu me alimento disso. É de onde tiro forças, no passado. É de onde tiro minha felicidade, do passado. O presente não me satisfaz. O futuro é incerto e me preocupa. O passado me parece um lugar seguro.. com suas restrições. Sei que consigo bloquear as memórias ruins – que todos possuímos. Mas queria ter livre acesso às memórias boas, e pareço não ter.
A memória só pertence a mim por alguns dias. Depois, começo a esquecer e vou esquecendo... esquecendo... e quando quero lembrar já não posso mais, a memória já não é mais minha.

E como farei então, se é do passado que vivo? Se é das poucas alegrias que tive de onde tiro a vontade pra seguir em frente?

Se a vida andava perdendo o gosto, agora sim perdeu completamente.
Se pelo menos pudesse sentir de novo aquelas coisas boas, voltar aos dias onde fui feliz sem saber e só me dei conta depois... mas não dá. Não dá mais. Não.
As negações teimam em aparecer. Não posso lembrar, não posso continuar assim, não tenho mais a felicidade comigo. Os “nãos” brotam do nada para mim.

E eu que queria tanto um sim... um sim somente. Não é pedir demais. “Você pode lembrar. Lembre.”

E eu lembraria de tudo. Até do que queria bloquear. Seria bom. O gosto pela vida talvez voltasse... talvez não... mas pelo menos eu teria meu refugio de sempre, a fortaleza segura, os braços que me amparam. Não são braços reais, nem quentes eles são. Mas de algum modo me dão conforto e segurança. São braços que nunca possui em minha volta, são braços que me fazem falta agora que os perdi. E nem sei se voltarão...

Terei de aprender a viver sem os braços em volta? Irei me sentir insegura, como se eu fosse uma criança andando pela primeira vez, sem a ajuda dos pais. Sem os braços que me seguram e amparam, vou ter de aprender a andar com as próprias pernas, de uma vez. Isso me aterroriza, me deixa nervosa. Nunca estive sem os braços antes, não sei como será. Nem sei se posso seguir sem tê-los. Mas algo dentro de mim me diz que eles não voltarão a me abraçar. Então não tenho escolha. Ou aprendo a andar sem eles, ou ficarei parada. E o tempo passa, passa rápido, em um piscar de olhos. A minha fortaleza não existe mais, o presente parece ser tedioso, sem cor e o futuro me aterroriza por eu não saber o que me espera, o que será de mim.
Mas essa é minha história: um começo esquecido, um meio que não é vivido e o final que ainda não escolhi.

E mesmo com tudo isso, continuo vivendo. Não sei se posso chamar de viver, mas o chamo. E o tempo passa rápido pelos meus olhos. E a mente que quer, mas não é capaz de lembrar. E as memórias todas jogadas como folhas ao vento, sem destino certo.

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